Vereador e servidores vão ser convocados para depor sobre polêmica de rua interditada
Espino desobstruiu via que dá acesso ao bairro Icaraí; parlamentares afirmam que área não pertence a Prefeitura
Bruno Bueno
A polêmica da vez em Divinópolis passa pelo bairro Icaraí. Um trecho da rua Belo Horizonte tem sido motivo de discussão, apelo popular e até caso de polícia. O local, que dá acesso a diversos bairros, em especial a MG-050, foi interditado na última quinta-feira pela proprietária de um posto de combustíveis que fica às margens da rodovia. Ela alega que a área pertence a sua propriedade. Cones, paletes e grande quantidade de terra foram colocadas no local. Vários veículos passavam pelo posto para chegar na rua.
O vereador Diego Espino (PSC), amparado com um ofício assinado por funcionários do alto escalão da Prefeitura, desinterditou a via na última sexta-feira. A situação não agradou alguns colegas de Câmara. Edsom Sousa (Cidadania), por exemplo, protocolou ontem um requerimento solicitando a convocação de Espino e dos servidores envolvidos para depor na Câmara.
Entenda
A proprietária do posto firmou um Termo de Permissão de Uso Precário por prazo determinado com a Prefeitura em abril deste ano. O documento autorizou a passagem de veículos dentro do empreendimento pelo período de 90 dias. O prazo foi estabelecido até o término das obras da AB Nascentes das Gerais, concessionária responsável pela 050. No mês seguinte, antes do fim do prazo, as obras foram concluídas. A proprietária enviou um documento solicitando a obstrução da passagem.
— Os veículos como carretas e caminhões pesados estão passando, em alta velocidade, dentro do meu imóvel e, ontem, dia 4 de maio de 2023, quase houve outro acidente e atropelamento no local, além do perigo de colisão com as bombas de combustível — consta o documento de 5 de maio.
A empresária lembra o prefeito que a cessão temporária só funcionaria até que as alterações fossem realizadas. O texto também fala sobre os prejuízos à saúde mental da proprietária, que tem 85 anos.
— Já está se tornando um grande aborrecimento a minha pessoa, que tenho idade avançada e não estou mais suportando os problemas que essa passagem por dentro de minha propriedade — relata.
Mais documentos
O Agora teve acesso a um documento enviado pela proprietária ao prefeito de Divinópolis, Gleidson Azevedo (PSC), comunicando, mais uma vez, sobre o fim do prazo. O ofício é datado de 15 de junho.
— Comunicamos a Vossa Excelência que, a partir do dia 30 de junho de 2023, usando nosso direito constitucional de proteção à propriedade, faremos o cercamento de imóvel, onde não haverá mais a passagem precária autorizada, uma vez que as obras de intervenção da rodovia no local já foram concluídas — consta.
A passagem foi fechada no dia 29 de junho. Na data seguinte, o procurador-geral do Município, Leandro Luiz Mendes, enviou um ofício para o secretário de Obras, Gustavo Mendes, solicitando a desinterdição da via.
— Proceder à imediata retirada de qualquer objeto e/ou material que impeça o regular fluxo de veículos, no trecho existente entre a Rodovia MG-050 e a rua Francisco Ferreira Gontijo, a fim de impedir o recente esbulho — orienta.
O procurador alega que a área é de uso comum do povo e existe há mais de quatro décadas. Ainda afirmou que o entulho foi jogado de forma irregular, sem autorização da Prefeitura.
— Se julgar necessário, que seja solicitado ao indigitado comando local da Polícia Militar apoio para garantir a segurança de todos — finalizou.
Espino
Acompanhado deste ofício, o vereador Diego Espino compareceu à rua no dia 30 de junho com patrolas da Secretaria Municipal de Operações e Serviços Urbanos (Semsur). O parlamentar fez vídeos no local e começou a retirar os entulhos.
A proprietária compareceu ao local e falou com o parlamentar.
— Isso já foi fechado. A Prefeitura vai tentar arrumar a solução. Você só pode abrir essa rua se você tiver um mandado — aparece em vídeo publicado pelo vereador.
Espino rebateu.
— O que prevalece é a voz do povo. (...) Não iremos deixar. A senhora querendo ou não, nós vamos abrir essa rua — disse.
A rua foi desinterditada no fim da tarde de sexta-feira.
Depoimento
A ação foi criticada por vereadores da Câmara. Edsom Sousa protocolou ontem um requerimento solicitando a convocação de Espino, do secretário de Obras e do procurador-geral para depor.
— Divinópolis não está acima da lei. A ação foi agressiva com os proprietários. A mulher de 85 anos ajudou a construir a nossa cidade e foi desrespeitada. Não precisava daquele teatro — critica.
Dúvidas, segundo o vereador, precisam ser respondidas.
— Vereador subir em patrola falando que o prefeito mandou e que eles vão abrir de qualquer jeito? Será que o papel do parlamentar mudou? O vereador tem poder de decisão judicial agora? O procurador solicitando a força policial também me pesou — reiterou.
A reportagem também conversou com Espino. Em curta resposta, o vereador disse que é “empregado do povo” e que “faz o que a população pede”.
Prefeitura e AB Nascentes
A reportagem questionou a Prefeitura sobre o incidente. Executivo disse em nota se tratar de um direito de passagem consolidado há décadas.
— Caracteriza uma servidão administrativa, a qual serve à comunidade, ou seja, à coletividade. Em razão do bloqueio feito, a Procuradoria-geral do Município provocou ofício à Semsur, solicitando equipe e maquinário próprio para remover o material usado para obstruir a via de uso público, nos termos do previsto no art. 1.210, § 1º, do Código Civil Brasileiro — afirmou.
A AB Nascentes informou que "o bloqueio foi realizado em área particular e na rua fora da área de domínio da rodovia e que não tem gerência sobre o ocorrido". A concessionária disse ainda que as obras foram realizadas conforme projeto aprovado pelo DER/MG:
— O trecho concluído integra a duplicação da MG-050 pela travessia urbana de Divinópolis e, além de 2,1 quilômetros de duplicações de pistas, nova rotatória e a construção de intersecção em dois níveis, no km 120,5, para acesso aos bairros Niterói, Lagoa dos Mandarins e outros, com investimentos realizados pela concessionária de R$ 35,1 milhões — finaliza a AB Nascentes.
Repercussão
Antes da desinterdição, o Agora foi ao local no dia do fechamento e conversou com moradores. O borracheiro Samuel Alves trabalha em um empreendimento próximo.
— Chegaram aqui, colocaram terra e não falaram nada. Os caminhões passam aqui e arrumam o pneu. Agora a borracharia ficou parada o dia inteiro porque os caminhões não conseguem passar. Precisamos de ajuda — disse.
Valdinei Rodrigues é motorista de aplicativo e também reclamou da situação.
— Eu deixei um passageiro e resolvi passar por essa rua. Era o caminho mais fácil para chegar no Centro de Divinópolis. Deparei com essa terra no meio do caminho. Ninguém avisa, não colocam sinalização. Isso é uma vergonha. (...) Já perdi dois passageiros por esse atraso — afirmou.
Mais críticas
O vereador Eduardo Print Júnior (PSDB) também não aprovou a atuação de Espino e do Executivo.
— A Prefeitura praticamente fez uma invasão em um terreno privado sem documentação nenhuma, sem ordem judicial. (...) Plantou uma anarquia no bairro. As pessoas mais esclarecidas começaram a entender no dia que o terreno era privado — relatou.
Print também questionou o envolvimento de Gleidson no caso.
— Não sei até que ponto o prefeito está envolvido nisso, mas ele deu um documento autorizando que o vereador realizasse os procedimentos para abrir a rua. (...) O prefeito foi omisso. Colocou um capanga para abrir a rua. (...) A coitada da senhora não está conseguindo nem dormir — finalizou.
Espino também falou sobre o pronunciamento de Print.
— Faço isso mais de mil vezes pela população. Diferente de você, Print, que falou para o povo que não tinha jeito. Aqui resolve! Engole seco — disse, em publicação nas redes sociais.
Proprietária
O Agora tentou conversar com a proprietária do posto de combustível, mas também não obteve retorno até o fechamento da página.