Temos candidatos demais em 2022?

CRÔNICAS DEMOCRÁTICAS

Márcio Almeida

Temos candidatos demais em 2022?

No primeiro de uma série de textos sobre as eleições deste ano, este colunista analisa os discursos que apontam um excesso de candidatos a deputado e a necessidade de renovação dos representantes políticos, defendendo que ambas as ideias, embora válidas, precisam ser consumidas com moderação para não produzir uma embriaguez romântica.   

 

Estando a poucos meses de pisar a casa dos 50 anos, 24 deles dedicados a observar a política e a refletir sobre ela, acredito já ter vivido tempo demais para corrigir alguns defeitos de observador que se tornaram quase como uma segunda natureza. O mais grave deles talvez seja o hábito de remar contra a maré ao analisar o número de candidatos a deputado, geralmente considerado excessivo, e as perspectivas de renovação trazidas por novos candidatos, geralmente vista como fundamental para assegurar a cada cidade uma boa representação política. 

Nenhuma dessas ideias me parece equivocada. Penso que há, por certo, necessidade de limitar o quanto possível em cada cidade o número de candidatos a ocupar vaga nas esferas estadual e federal do Legislativo, assim como vejo necessidade de assegurar meios de renovar a política por intermédio da oferta de novos nomes ao eleitorado. Nenhuma dessas ideias, entretanto, parece-me um dogma infalível: acredito que existem casos e casos, que devem ser distinguidos uns dos outros para que se criem condições capazes de assegurar à sociedade a melhor representatividade possível nas casas legislativas. E acredito que, se postas em prática, precisam de moderação, sob pena de a dose excessiva transformar o remédio em veneno.

 

O realismo como mantra

De um lado, tenho um pé atrás em relação à tentativa de limitar o número de candidatos a deputado em nome do chamado “realismo político”, esse mantra perigoso que não raro nos convida a votar nos nomes “mais viáveis” sem nos indicar qual é a base empírica usada para medir a sua alegada viabilidade. Os matemáticos eleitorais de plantão vão dizer que há risco de prejuízo político no fato de alguns empresários, trabalhadores da iniciativa privada, artistas, sindicalistas, donas de casa, líderes comunitários, servidores públicos e até vereadores se lançarem em uma campanha que, sem estrutura logística e sem lastro político, não passa de aventura da vaidade que se inflou até perder a noção da própria força. E não nos esqueçamos dos que, sabendo-se pouco competitivos, lançam-se candidatos pensando apenas em marcar presença ou consolidar seu nome junto ao eleitorado.

Minha consciência de coroa já grisalho me obriga a fazer ressalvas aos defensores da ideia de tentar limitar o número de candidatos, que me parece duplamente problemática. Em primeiro lugar, tais tentativas, como ensinam eleições anteriores, tendem com frequência a não produzir significativos efeitos concretos, sobretudo, em circunstâncias como a do pleito de 2022, quando os partidos estão em busca frenética de candidatos para cacifar sua capacidade de atingir o quociente eleitoral. Sejamos honestos para admitir que o número de candidatos, conforme a legislação em vigor, não é definido por pessoas comuns como eu e você, leitor que agora me lê, e sim por aqueles que detêm o controle das instituições partidárias. Essas instituições, no entanto, estão empenhadas em arrebanhar o máximo de candidatos e candidatas, não em limitá-los.

Em segundo lugar, raciocinando com a hipótese de que uma limitação significativa do número de candidatos fosse bem sucedida, penso que ela tenderia a ser um movimento com forte efeito colateral. Não é difícil prever que essa ideia, se consumida sem moderação, poderia gerar um clima de embriaguez romântica capaz de limitar drasticamente as possibilidades de renovação da representação parlamentar. O raciocínio é simples: estamos no Brasil, país de forte tradição continuísta na política, incluindo feudos que passam de pai para filho e grupos partidários que, à maneira de clãs medievais, ainda se organizam em base familiar, não raro confundindo a coisa pública com os negócios privados. Ora, neste país, com históricas dificuldades de renovação dos quadros de representantes, não é difícil deduzir que uma limitação drástica do número de candidaturas ao Legislativo tenderia a tornar ainda mais difícil a estreia dos novatos. 

 

O novo como fetiche

Se tenho um pé atrás quanto à ideia de tentar limitar radicalmente o número de candidatos por entender que cabe, sobretudo, ao eleitorado fazê-lo por meio da adoção de critérios de escolha , o outro pé fica atrás da ideia de promover a renovação política a todo custo. Antes que os politicamente corretos me venham ameaçar de cancelamento, digo que, como eles, também quero ver nas casas legislativas estaduais e federais mais mulheres, mais jovens, mais pretos e pardos, mais indígenas, mais periféricos e mais pessoas do segmento LGBTQIA+. O passado mostra, entretanto, que nem sempre o novato representa o novo em política, assim como mandatários experientes nem sempre são obsoletos. Mãe e mestra, a história ensina que no país de Kim Kataguiri e Ulisses Guimarães tem havido jovens antiquados e velhos inovadores. 

Os danos trazidos por essa ânsia desmedida de renovar que em conversas com amigos costumo chamar de “fetiche da renovação” incluem o desprezo ou a baixa valorização eleitoral de deputados eficientes, com muitos anos de trabalho e valiosos benefícios carreados para suas bases, assim como incluem a exaltação de novos parlamentares que, ao fim do primeiro mandato estadual ou federal, não conseguem mostrar serviço que justifique, em quantidade ou qualidade, a votação expressiva que receberam. Desse modo, ninguém precisa ser familiarizado com o noticiário político para deduzir que a representação ideal para uma cidade, sobretudo nos casos em que há um colégio eleitoral suficientemente amplo, é a que consegue unir experiência e renovação. 

Como se pode ver, defendendo a limitação de candidatos sem soluções drásticas e a renovação da política sem o fetichismo da novidade, não estou bem com nenhum dos muitos defensores ardorosos de ambas as ideias. Mas, como afirmei antes, sou um coroa já grisalho. E os coroas às vezes são difíceis de contentar. Sonhando com um futuro melhor na política, querem ter os pés no chão da realidade. Sendo realistas, querem sonhar com melhorias capazes de acontecer aqui e agora. Veja, portanto, jovem leitor ou leitora, como é difícil entender esses tiozões de barba e cabelos brancos…

 

Márcio Almeida é jornalista, advogado e professor.

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