Servidora exonerada fala pela primeira vez sobre áudios e ameaças: 'me senti coagida'

Edimara recebe apoio de defensores da causa animal e considera acionar Justiça; acusa vereador de autopromoção

Matheus Augusto

A ex-coordenadora de castração do Centro de Referência de Vigilância em Saúde Ambiental (Crevisa), Edimara Martins, falou pela primeira vez sobre sua exoneração com exclusividade ao Agora. A então servidora, que assumiu a responsabilidade em março, revelou ter recebido, para além das críticas, ameaças de morte. Também comentou sobre as acusações de má gestão e negligência durante o período à frente do setor e declarou que o desgaste começou por não aceitar as demandas do vereador Flávio Marra (Patriota). 

Admissão e exoneração

Edimar Martins assumiu o setor de castrações do Crevisa em março deste ano e foi exonerada na última semana. Nas semanas anteriores, relata, “já estava havendo um mal estar por causa de divergências que eu gostaria que fossem resolvidas da forma correta”. No fim do expediente do dia 11, convocada para uma conversa com o secretário de Meio Ambiente (Seplam), Pabloneli de Sousa Vidal, recebeu a notícia de sua exoneração. O secretário, segundo ela, a comunicou que já havia conversado com o prefeito Gleidson Azevedo (PSC) sobre sua insatisfação com a então gestora. O motivo alegado foi incompetência e falta de coordenação

A situação ganhou repercussão pública após o vazamentos de áudios enviados pelo presidente da Comissão de Proteção e Bem-Estar Animal da Câmara, vereador Flávio Marra. Nas mensagens, a qual ele assume a autoria, o parlamentar critica a gestão de Edimara e diz que caberá ao prefeito escolher: “ou eu ou você”. Em entrevista, ele negou ter pressionado o chefe do Executivo pela demissão e, inclusive, confiou nela quando a mesma assumiu o cargo, apesar da insatisfação nos últimos meses.

— Segundo o vereador, ele influenciou para que eu entrasse. Ele pensou que eu fosse concordar com o que estava acontecendo de errado — afirma.

Sobre possível influência do edil em sua exoneração, ela diz não ser possível fazer tal ligação, mas pelo conteúdo dos áudios, não descarta pressão para a saída.

— É complicado afirmar isso. Tudo leva a crer que possa, sim, ter acontecido isso. (...) Pelo que ele deixa claro nos áudios, que realmente ele possa ter influenciado, sim, na exoneração

Ainda sobre o conteúdo das mensagens, Edimara conta ter interpretado as falas do vereador Flávio Marra como ameaças. 

— Eu já vinha sofrendo uma certa coação, certa ameaça. (...) São áudios bem agressivos, em que ele fala o tempo todo sobre “ele ou eu”, que fala que vai pedir para o prefeito escolher — relata. 

Desgaste

À reportagem, Edimara avalia que o desgaste com o vereador começou após discordâncias com o mesmo. Em um dos episódios, ela expressou ser contra o acolhimento de animais para além da capacidade da unidade.

— Havia fatos que estavam acontecendo antes de eu assumir, como o acúmulo de animais no canil, que estavam doentes e morrendo. Passei a não concordar que fossem levados mais animais para lá — justificou. 

Segundo ela, acolher os animais “adicionais” significaria colocar os animais em situações inadequadas pela falta de estrutura. 

— Eu deixei claro que o Crevisa nunca foi um abrigo, um canil, não foi construído para esse fim e que eu não poderia concordar com isso. Os animais, para estarem ali, precisavam de atendimento, de dignidade, de medicação, de tudo. E não era o que estava acontecendo. A partir deste momento, nós travamos uma guerra — define sobre o início da insatisfação do vereador. 

Problemas

Em abril, o presidente da comissão de Proteção e Bem-Estar Animal apresentou dois graves relatos em suas redes sociais e pronunciamentos na Câmara. No primeiro, Marra citou ração de má qualidade, possivelmente superfaturada, oferecida pela Crevisa. 

A então coordenadora contou que, à época, comprovou a situação. Os cães não comiam ou, quando se alimentavam, apresentavam distúrbio intestinal. 

— Fiz um teste. Levei uma ração melhor e vi que realmente a ração estava influenciando nisso — relata.

Em contato com a fornecedora, após a apresentação de imagens e laudo veterinário, a mesma confirmou a necessidade de substituir o produto por de qualidade superior, o que foi feito no início de abril. No entanto, ela desconhece indícios de superfaturamento por ter articulado apenas a troca, sem custos, dos mais de 70 sacos de ração. 

— Veio a especulação de que havia superfaturamento na compra dessa ração. Eu entrei dia 18 de março, eu não sei quem fez essa compra, foi antes da minha gestão. Essa ração já estava lá, no estoque do Crevisa. Meu foco era trocar uma ração ruim por uma de melhor qualidade com o fornecedor — justificou.

Ameaças

Semanas depois, Flávio Marra publicou em suas redes sociais um novo vídeo no local. Nas imagens, ele abre um refrigerador e mostra o interior com animais mortos. Antes de explicar o caso, Edmira destaca as divisões internas no centro de referência. Um deles, o de zoonose e controle de doenças, é controlado pela Secretaria de Saúde (Semusa), enquanto o segundo, da qual fazia parte, era gerido pela pasta de Meio Ambiente, responsável pela castração, adoção e acolhimentos dos animais. 

— Como coordenadora de regularização ambiental, minha responsabilidade era única e exclusiva na parte de castração, acolhimento e adoção — pontua.

Na pasta da Saúde, exemplifica a ex-coordenadora, se um animal abandonado é resgatado com leishmaniose, sem ninguém para cuidar, o mesmo é eutanasiado. 

— Infelizmente, esse animal é recolhido e levado ao Centro de Zoonose, onde a responsabilidade é da pasta da Saúde e existe um veterinário para fazer a eutanásia. Não é da minha responsabilidade, eu era coordenadora de castração — complementa. 

Após o processo, o animal é colocado dentro do freezer, pois não pode ser enterrado devido à contaminação do solo. 

— Ele precisa ser incinerado e tem uma empresa de Belo Horizonte que faz esse serviço, que vem uma vez por semana para recolher esses animais. Por coincidência, na semana anterior, o caminhão não passou pois era véspera de feriado e não foi recolher os animais, que já estavam dentro do freezer para serem incinerados e aconteceu de ter mais animais eutanasiados — citou.

A repercussão do vídeo provocou comoção e ataques a Edimara Martins. 

— Foi quando ele [vereador Flávio Marra] esteve lá, fez aquele vídeo e falou que a responsabilidade era minha. Expôs a minha imagem, eu tive que ir à delegacia prestar depoimento. Me trouxe muito constrangimento. Eu fui ameaçada. Imprimi várias ameaças que eu sofri no Instagram dele, onde pessoas falavam que tinha que fazer comigo igual fez com os animais no freezer, que eu tinha que sair de lá, que eu era uma assassina, que a culpa era minha, ‘faz com ela a mesma coisa’ — detalha.

Até mesmo sua filha sofreu emocionalmente com a situação. 

— A minha filha não queria ir para a escola. Os colegas começaram a falar que a mãe dela matava animais. Eu tive que ir com ela para o hospital por causa de problemas que ela teve por causa do emocional que afetou a saúde dela — relata.

Questionada se acredita que as acusações do vereador eram motivadas pela autopromoção política, ela acena positivamente.

—  Eu acredito que, sim, infelizmente. (...) Ele expôs demais a minha imagem e sabia o tempo todo qual era a minha responsabilidade lá dentro e, nesse assunto, eu não tinha nenhuma responsabilidade — lamenta.

Auxiliada por dois advogados, ela ainda avalia quais medidas judiciais adotará em resposta aos ataques. 

— Preciso, primeiro, ter a oportunidade de mostrar meu lado, de falar tudo que eu preciso falar. (...) Eu não preciso provar que fui uma boa servidora dentro do Crevisa, mas, para as pessoas que não me conhecem, preciso deixar claro que o que estão falando de mim não é verdade — antecipa.

Novas acusações

Nesta semana,  Flávio Marra apresentou duas novas acusações para justificar a exoneração por má gestão da servidora. Na primeira, alega ter recebido denúncia de favorecimento e venda de vagas para castração. Ela nega e acrescenta que, se há situações desta natureza, nunca chegou ao seu conhecimento. 

— A forma de conseguir as vagas sempre foi pelo aplicativo da Prefeitura. Não houve favorecimento de vagas.

Devido a um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), existe uma meta de castração a ser cumprida. Quando as pessoas cadastradas faltavam, as vagas remanescentes eram redistribuídas para atender à demanda da causa animal. 

— Quando eu via que estava tendo muita falta e as protetoras precisavam de vagas, elas entravam nas vagas faltosas. Agora, favorecimento, venda, isso eu não acredito que existia. (...) Quando há essa acusação, ele me envolve, pois eu tomava conta. Isso, da minha parte, não existia. E acredito muito no trabalho das protetoras, são pessoas sérias — comenta.

Nesta semana, o vereador também filmou sua volta ao Crevisa, desta vez para mostrar ração mofada. 

— Cachorro morrendo de fome e, aqui, ração se perdendo. (...) Não está vencida, a gerente, salvadora da pátria, deixou mofar mais de meia tonelada — critica.

Para rebater a acusação, Edimara mostrou documento enviado pela fornecedora, que reconheceu o problema causado durante o transporte, e não pelo armazenamento no Crevisa. 

— Quando eu sou acusada de que a ração mofou por falta de armazenamento, esse documento comprova que foi por culpa da transportadora. A ração estava mofada, não estava vencida, mas não é por falta de local adequado para armazenamento, porque era a sala em que sempre foi armazenada a ração, não foi uma mudança que eu fiz, lá sempre foi o local — explicou. 

Quando a troca da ração de má qualidade foi feita, em abril, “a medida que foi abrindo é que fomos vendo que o mofo estava aparecendo”. Do total, 13 estavam mofados e outros 16 ainda não haviam sido abertos. 

— Como a empresa é de Santa Catarina, eles não iam trocar um ou dois sacos. Entramos num acordo de que ia trocar todos os sacos de ração, sem ônus nenhum para a Prefeitura. (...) Mais uma vez, fui acusada de uma coisa que não procede — ratifica. 

Entre críticas e apoio

Se de um lado a ex-servidora é criticada e acusada de má gestão, do outro recebe apoios de protetores e defensores da causa animal. Uma petição on-line defende o trabalho da servidora à frente do Crevisa e lamenta sua exoneração.

— Se eu realmente fosse essa pessoa que não soube gerenciar e coordenar, eu não teria a população a meu favor, que me conhece, que teve serviço atendido no Crevisa. Eu não teria a proteção ao meu lado, que é a maior interessada, para que eu continue desenvolvendo meu trabalho. Essa petição mostra isso — avalia.

Para Edimara, as demandas não atendidas em seu período de coordenação apontam para um grave problema enfrentado pela unidade: a falta de estrutura. Em todas as situações, relata, comunicou as dificuldades à atual Administração.

— O que eu deixei a desejar, na opinião dele, de quem fez minha exoneração, eu consigo provar, inclusive eu tenho ofícios, que levei ao conhecimento da secretaria, de falta de pessoal. (...) estava com falta de pessoas e ainda está sem pessoal no Crevisa — cita.

A paralisação do Castramóvel, por exemplo, ocorreu devido à situação irregular do funcionamento. 

— O motivo pelo qual estava parado, de forma alguma dificultei para que ele voltasse para a rua. Muito pelo contrário, eu queria que ele voltasse, mas a gente precisava atender algumas exigências — argumenta.

Com os casos justificados, ela afirma que deixa o cargo com a consciência tranquila. 

— O que dependia de mim, eu cumpri muito bem. O que não dependia, eu coloquei a situação para quem poderia ajudar a resolver. Se não foi resolvido, não foi por minha culpa. O que eu precisava fazer eu fiz — conclui. 

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