Sem ter vergonha de ser feliz

Carlos Brickmann - Sem ter vergonha de ser feliz
Livre, não: ninguém pode se sentir livre quando a Constituição é desafiada. Solto, não: ninguém pode se sentir solto quando é ameaçado por armas, mesmo quando as armas estão queimando óleo 50 e soltando mais fumaça do que incêndio na Amazônia. Leve? Ninguém jamais se referiu a este colunista como “aquele magrelo”.
Mas não é preciso estar livre, leve e solto para ser feliz, após um mês de hospital. Tratamento ótimo, profissional, eficiente, de êxito; mas é difícil ficar longe de amigos e parentes, com dificuldades até para se comunicar (tente manter seus contatos em dia num leito hospitalar, muitas vezes digitando de cabeça para cima, com (excelentes) médicos e enfermeiros entrando, saindo, tomando providências – não, não há comunicação possível com as pessoas mais próximas.
O hospital é ótimo, te cuida, te cura, mas ter alta ainda melhor. É uma forma de felicidade: mais autonomia, mais capacidade de comunicação, uma sensação de vitória sobre os problemas de saúde que o incomodavam. E a capacidade de perceber o papel ridículo que fazem pessoas adultas e sérias ao julgar juízes, a opinar sobre a composição de vacinas (“notas de amêndoas torradas com chocolate amargo, com toques de tanino hamburguês e de trufas frescas do Interior do Mali”), a escolher qual incompetente deve mandar nelas, sem dar bola para a democracia.
Enfim, a alegria de estar de volta ao jogo.
Questão de opção
Dá uma certa dor no coração saber que tanta gente desperdiça seu feriado para dar apoio a alguém que se dedica a corroer as instituições democráticas, que se refere com desdém às vítimas da pandemia, cujo chefe se referia a ele como um “mau militar”, ou a seu adversário, cujas condenações por corrupção foram suspensas não pela descoberta de novos fatos, mas apenas por falhas processuais.
Mas tive alta: agora minha preocupação é outra.
Melhor que o outro
Muitos dos marchadeiros nem defendem seu candidato: alegam apenas que o outro seria pior. Considerando-se os líderes de suas marchas, ambos os lados têm razão. Mas, vença quem vença, o país perde. Quem sofre é a democracia: ou se apoia o ladrão para afastar o doido, ou se apoia o doido para afastar o ladrão.
O novo dia
Doenças, impedimentos, perdas temporárias de condições de trabalho? Bobagem: o banqueiro André Esteves batizou seu novo banco de BTG, Back to the game; o general Douglas MacArthur, depois de vencido pelos japoneses e expulso das Filipinas, disse apenas “I Shall Return”, Eu Voltarei.
Alegria, alegria
E é muito bom, também, o que experimentei agora. Neste período de ausência, com as comunicações difíceis, quase cortadas, a grande quantidade de amigos querendo saber por que estava silencioso, e dirigindo-me elogios que espero ter merecido. Pode-se fazer cara de paisagem, fingir que elogios não o afetam, que são apenas o reconhecimento de algo de que você já sabia. Pode-se adotar a postura imperial, “isso que estão dizendo de mim é apenas aquilo que mereço”.
Ou pode-se dizer a verdade: ser elogiado pelos amigos é muito bom, é bom demais. E a todos vocês, amigos, muito obrigado.
Carlos Brickmann é o editor responsável pelo site Chumbo Gordo
Twitter:@CarlosBrickmann