Relatório aponta para omissão e negligência de servidores

Para relatora, compras foram feitas sem devida análise documental e com orçamentos ‘viciados’ para favorecer vencedoras

 

Matheus Augusto

Formação de cartel entre as fornecedoras dos materiais e omissão de agentes públicos nas compras realizadas pela Secretaria de Educação (Semed) no fim do ano passado. Esses foram os principais pontos apresentados pela relatora da CPI da Educação, Lohanna França (PV), durante a leitura do relatório, na manhã de ontem, às 8h, na Câmara, em reunião aberta ao público. Agora, os demais membros da CPI possuem dez dias para apresentar suas considerações e discordâncias. Rodrigo Kaboja (PSD) antecipou que elaborará um texto alternativo.

— Quero adiantar que farei, sim, um relatório paralelo porque eu não concordo com este — declarou. 

Por outro lado, o requerente da comissão, Ademir Silva (MDB), acompanha a relatora. 

— (...) precisa devolver esse dinheiro para o município. Isso foi dinheiro do contribuinte e, agora, tem que devolver — afirmou.

O presidente Josafá Anderson (Cidadania) e Ana Paula do Quintino (PSC) não se manifestaram sobre o conteúdo ao término da leitura. 

Passado o prazo, os membros votam o texto, em que constará a consideração de todos os membros, a ser encaminhado ao Plenário, para votação entre todos os vereadores e encerramento da comissão. 

Decisões

O relatório lido na manhã de ontem, que se estende por 144 páginas, aponta os indícios de formação de cartel entre as empresas e os consórcios participantes das atas aderidas pela Secretaria Municipal de Educação (Semed) de Divinópolis para a compra, no fim do ano passado, de recursos pedagógicos e mobiliários. A relatora cita negligência, omissão e imperícia de determinados servidores durante o processo interno de validação das compras. Segundo o comparativo orçamentário levantado pela comissão e apresentado no relatório, R$ 8,5 milhões poderiam ter sido economizados caso fossem consultados outros fornecedores. 

Ela solicita que toda a documentação seja encaminhada ao Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Ministério Público Federal, Polícia Civil, Polícia Federal e ao Tribunal de Contas do Estado, além de outras autoridades. 

— (...) devendo os órgãos de controle tomar as providências cabíveis para apurar a extensão das responsabilidades — solicita. 

Cartel

Com base no organograma detalhado no relatório, Lohanna denuncia indícios de formação de cartel entre as fornecedoras dos produtos comprados.

— O contexto sugere que pode ter havido um prévio mapeamento dos itens a serem vendidos por cada empresa, de forma a todas obterem lucro, com o apoio das demais, em mútua colaboração. (...) Da análise dos procedimentos de adesão apurou-se um padrão de repetição nos quadros societários das empresas, bem como a existência de parentesco entre algumas dessas pessoas — explica.

O texto revela a existência de elementos que configuram “planejamento para simulação de concorrência”.

— A empresa Costa Soluções Educacionais apresentou orçamentos em 5 das 7 adesões investigadas; dessas cinco adesões, não houve nenhuma em que tenha apresentado valores mais baixos (o que sugere que a empresa é utilizada como fachada, apenas para fornecimento de orçamentos simulados). Em todos esses procedimentos, as empresas que contrataram, possuem algum - ou alguns - componentes do quadro societário (ou familiar seu) em comum — exemplifica o relatório.

Desta forma, as empresas atuariam de forma conjunta para criar uma falsa concorrência entre elas. Uma das estratégias era, por exemplo, apresentar propostas incapazes de atender todos os itens ou mesmo documentação insuficiente, sendo desclassificadas durante o processo e abrindo caminho para a vencedora, cita o relatório.

Comparativo

Para chegar ao valor de R$ 8,5 milhões de "sobrepreço'', a relatora apresentou a comparação entre os itens comprados pela secretaria e os valores orçados pela comissão, que recebeu o apoio técnico da comissão de licitação da Câmara. 

O Play Ball, um dos itens que deu início aos questionamentos dos produtos adquiridos pela pasta, foi comprado pelo valor unitário de R$ 9.990,00. Ao todo, foram compradas 129 unidades, totalizando R$ 1.288.710,00. O relatório apresenta duas cotações para o mesmo material pedagógico, ambas de valor menor. Na de menor valor, com origem em Carapicuíba (SP), cada unidade custava R$ 6.699,00, ou seja, a Prefeitura desembolsaria R$ 864.171,00.

Em relação aos 515 notebook comprados por R$ 4.120,00 cada, no total de R$ 2.121.800,00, o relatório apresentado detalha um orçamento de R$ 3.098,30, o que geraria uma economia de R$ 526.175,50.

O comparativo entre diversos outros itens também consta no documento.

O relatório cita, ainda, outra "irregularidades grosseiras" encontradas durante a investigação: ausência de registro de e-mails com a solicitação dos orçamentos (segundo a secretaria, apagados por se tratar de procedimento corriqueiros), ausência de declaração de vantajosidade em duas atas, adesão a ata vencida; entrega, recebimento e pagamento de itens sem conferência e outros.

Trâmite superficial

No âmbito administrativo, o relatório aponta para a omissão na análise do conteúdo das atas aderidas, desde a Secretaria de Educação até os órgãos de controle interno.

— As irregularidades apuradas por esta CPI com indícios de superfaturamento/sobrepreço (...) foram ignoradas pela Segov [Secretaria de Governo], pela Semad [Secretaria de Administração], pela Semed e pela Procuradoria Municipal. A negligência destes agentes públicos ocasionou sérios prejuízos ao erário municipal — avalia.

Segundo a vereadora, os chefes das secretarias/órgãos tentaram se esquivar da responsabilidade sobre as atas através da “interpretação equivocada das funções”. É citado que cabe à Secretaria de Administração, Orçamento, Informação, Ciência e Tecnologia (Semad) "analisar, arquivar e registrar contratos e demais ajustes congêneres celebrados pela Administração Municipal". 

— Não há restrição quanto à análise apenas dos contratos celebrados pela secretaria de administração, mas, sim, de toda Administração Municipal. No entanto, a oitiva do secretário de Administração, sr. Thiago Nunes [chefe da pasta], foi no sentido contrário: o mesmo afirmou que a Semad apenas é responsável pelas licitações e compras da própria secretaria. Percebe-se, claramente, uma tentativa de diminuir a responsabilidade da Secretaria de Administração no que tange à análise dos contratos e controle das compras realizadas pela Secretaria de Educação por meio das adesões às atas — argumenta.

Sobre a secretária de Educação, Andreia Dimas, que chegou a ser afastada temporariamente do cargo e depois foi reconduzida à chefia, o relatório aponta que ela tem como atribuição “receber, aplicar e controlar verbas especificamente destinadas à educação”. Para a relatora, Andreia não cumpriu em plenitude sua função frente à administração pública.

— (...) em sua oitiva, a Secretária de Educação menciona que sua expertise é sobre educação (questões pedagógicas) e não sobre orçamento público; (...) tentando isentar-se de qualquer responsabilidade relacionada à aplicação orçamentária na Secretaria de Educação. Assim, extrai-se que o entendimento da secretária de Educação sobre as incumbências do seu cargo apresenta-se deficiente, já que a função da Secretária de Educação não se restringe a questões pedagógicas. Para exercer o cargo de Secretária Municipal de Educação não basta ter domínio de práticas de sala de aula; é necessário ser gestor, inclusive do orçamento da pasta e dos procedimentos burocráticos envolvidos na realização das despesas em que figurará como ordenadora — avalia.

Um dos erros, considera a relatora, foi a secretária não ter se cercado das cautelas necessárias durante o processo de compras.

— (...) a elaboração dos procedimentos de compras milionárias foi atribuída a servidora inexperiente e sem a expertise necessária para a tarefa — relata.

Com isso, acrescenta França, a servidora aceitou como “válidas as indicações de empresas orçamentistas pela própria empresa que pretendia ser contratada”. A avaliação, nesse ponto, é de “falta de treinamento e olhar crítico” no processo, “gerando nefastos resultados ao erário”.

— É incabível que a Secretaria de Educação tenha cotado os preços exclusivamente nas empresas que já vinham relacionadas nos “catálogos/atas” recebidos. (...) Não existe em nenhuma das adesões investigadas um único orçamento realizado perante empresa local, apesar do vasto número de potenciais fornecedores sediados na nossa cidade — pondera.

Controle

O documento também menciona o procurador do Município, Sérgio Rodrigo Mourão, e o Controlador-Geral, Diogo Andrade Vieira, por falta de "olhar crítico" e análise aprofundada do conteúdo. Ambos foram ouvidos durante as oitivas.

— A mera conferência da presença ou não de documentos (mero preenchimento de checklist) não é o trabalho esperado do órgão de controle interno, justamente porque, sendo órgão eminentemente técnico e dotado de prerrogativas e obrigações especiais de supervisão, deve oferecer um nível de análise superior ao dos demais órgão envolvidos na contratação — expressa.

Prefeito e vice

O texto também faz menção à secretária de Governo (Segov) e vice-prefeita, Janete Aparecida (PSC), e ao prefeito Gleidson Azevedo, do mesmo partido. 

— (...) nada acontece no Município sem que passe pelo crivo da Secretaria de Governo, que monopoliza as decisões a serem tomadas na gestão, o que evidencia que as compras realizadas pela Secretaria de Educação foram autorizadas e avalizadas pela Secretária de Governo, devendo esta ser responsabilizada por suas ações — frisa.

Sobre o prefeito, manifesta Lohanna, caberia a ele responsabilidade na supervisão dos secretários e demais cargos de confiança.

— Seria muito cômodo ao chefe do Poder Executivo eximir-se de responsabilidade pela simples delegação de poder aos seus subordinados. Em outras palavras, o prefeito jamais se responsabilizaria pelos atos dos seus subordinados — justifica.

Defesa

Um dos últimos passos da CPI foi a notificação do prefeito e do secretário para o envio das defesas. O prefeito, frisa o relatório, citou que a mudança do cálculo do índice mínimo constitucional a ser investido em Educação, em meados do ano passado, “desestabilizou naquele momento a programação de investimentos em educação, pois aumentou significativamente os gastos necessários para o cumprimento do mínimo constitucional”.

— A defesa traz argumentação no sentido de que todos os agentes públicos ouvidos na CPI informaram que o Chefe do Poder Executivo não participou de nenhuma etapa dos processos de adesão à ata de registro de preço realizadas no âmbito da Semed — relata.

A defesa apresentada pela secretária segue linha similar.

— O que se percebe é uma tentativa de justificar a aquisição dos itens, transferindo a responsabilidade pela escolha do que comprar para os diretores das escolas — destaca.

A secretária reforça ter seguido todos os trâmites previstos dentro da administração pública, tendo o processo sido validado por todos os setores onde tramitou.

— (...) a Secretaria de Educação não comprou os equipamentos/materiais sozinha, posto que toda a prefeitura se compromete em qualquer tipo de compra, (...) o procedimento de aquisição de mobiliário tem que passar por todo o check list e autorização da Secretaria de Fazenda, da Secretaria de Administração, pelo parecer da Procuradoria e, ainda, pela autorização da vice-prefeita, que compõe o Executivo Municipal — detalha.

Sigilos

Sobre os sigilos bancários e telefônicos, enviados voluntariamente pelo Executivo, a relatora declarou que a comissão não tem recursos qualificados e especializados para uma análise profunda e técnica dos dados. Por isso, os mesmos não foram levados em consideração na elaboração do relatório, mas serão encaminhados aos órgãos de controle para avaliação.

Conclusões

Entre as responsabilidades citadas pela relatora estão: 

  • superfaturamento/sobrepreço de R$ 8,5 milhões referentes à quatro atas; 
  • formação de cartel entre empresas e consórcios voltado ao mútuo favorecimento de seus integrantes; 
  • ausência de planejamento das compras públicas; 
  • negligência e omissão da secretária de Educação; negligência e imperícia do secretário de Administração; 
  • negligência da secretária de Governo; imperícia das servidoras designadas para os procedimento de orçamentação e liquidação das despesas; 
  • negligência do prefeito em supervisionar seus subordinados; imperícia e negligência do procurador Sérgio Rodrigo Mourão; 
  • omissão do Controlador-Geral, Diogo Andrade Vieira; 

Diante das informações apresentadas, a vereadora concluiu que “ninguém se atentou para os indícios aviltantes de formação de cartel e superfaturamento nos procedimentos de adesão investigados e nos procedimentos licitatórios que geraram as atas aderidas”.

 

 

 

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