Rede de postos combustíveis era utilizada para lavagem de dinheiro de fraude bancária
Valor tinha origem em empréstimos solicitados por estelionatários que desapareciam após receber o valor; casal preso em Divinópolis já está no Floramar
Matheus Augusto
A operação ‘Octanagem’, deflagrada na manhã desta quinta-feira, 11, pela Polícia Federal (PF) e Receita Federal, terminou com 12 presos, um foragido e mais de R$ 12 milhões em bens bloqueados. Todos são suspeitos de integrar um grupo responsável por estelionato, golpes à instituições financeiras e lavagem de dinheiro. Ao todo, 30 agentes atuaram em Divinópolis, 30 na região metropolitana de Belo Horizonte, Contagem e cerca de 25 em Lauro de Freitas, na Bahia.
Em coletiva, o chefe da Polícia Federal, delegado Daniel Souza Silva, disse que o foco da operação foi lavagem de dinheiro, com o objetivo de ressarcir os bancos afetados pelas fraudes.
— São justamente nas instituições bancárias, onde a organização criminosa agia — informou sobre as regiões.
Dos 13 mandados de prisão expedidos, apenas um dos suspeitos está foragido. Os demais foram ouvidos e conduzidos ao sistema penitenciário, onde permanecem à disposição da Justiça.
— O fundamento das prisões é justamente para coletar provas — explicou o chefe da PF.
Processo
A investigação começou em julho de 2020, quando a Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) em Minas Gerais repassou informações sobre a obtenção de documentos falsos para aplicação de golpes em instituições financeiras a partir de registros fraudulentos no sistema da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp).
Basicamente, os criminosos usavam documentos oficiais de identificação, porém com informações falsas — com exceção da foto — para abrir empresas fantasmas, através das quais solicitavam crédito e empréstimos a bancos. Quando conseguiam valores significativos, desapareciam e iniciavam o processo de lavagem do dinheiro obtido.
Responsável pelo caso, o delegado Felipe Baeta detalhou o processo.
— Eles obtinham documentos ideologicamente falsos. O documento era materialmente verdadeiro. E, a partir disso, criavam empresas para aplicar golpes de estelionato contra instituições financeiras [como solicitações de empréstimos]. Com a obtenção desses valores, de forma fraudulenta, eles faziam a lavagem do dinheiro em uma grande rede de postos de combustíveis e também no mercado imobiliário — esclareceu.
Quando os bancos tentavam cobrar o valor, não era possível encontrar nem a empresa, por ser fantasma, nem o solicitante, visto a inveracidade dos dados.
Crimes
As fraudes começaram por volta de 2016.
— A fraude começou há quatro, cinco anos atrás. Feito isso, eles abandonaram as fraudes e passaram a lavar o dinheiro que foi ganhando nessas fraudes. A rede de postos de combustíveis foi crescendo — detalhou o delegado Daniel Souza.
Na Bahia, por exemplo, os suspeitos de participação no esquema, presos na operação, são dois cunhados (e suas esposas) do casal detido em Divinópolis. No Nordeste, o dinheiro era lavado através de uma imobiliária e imóveis.
Os demais suspeitos identificados são falsários, responsáveis por fornecer contas e bens para a dispersão do patrimônio.
Até o momento, foi identificado o envolvimento de 47 pessoas físicas, 38 empresas criadas para aplicação de golpes e mais de 300 documentos fraudulentos, entre CPFs, RGs, carteiras de motoristas, contratos e outros.
Os bancos, inclusive, tiveram dificuldade em identificar as fraudes e entender que se tratava do mesmo grupo. Ainda não há cálculo específico de quantas fraudes foram realizadas.
— Pode ter ficado muita coisa por fora — detalhou.
Até o momento, mais de R$ 12 milhões em bens, como imóveis e carretas de transporte de combustíveis, foram bloqueadas para ressarcimentos das fraudes identificadas até o momento.
— A empresa não está impossibilidade de trabalhar — esclareceu.
Investigação
Apesar da operação na manhã de hoje, diversos outros pontos da investigação ainda estão em fase de apuração. Um dos questionamentos é se a quadrilha teve o processo facilitado por servidores de órgão públicos para a produção dos documentos oficiais com dados falsos.
— Eles tinham contato para obtenção dos documentos falsos perante a Secretaria de Segurança Pública — pontuou o responsável pelo caso, delegado Baeta.
Receita.
A participação da Receita Federal é para a coleta e cruzamento de dados, bem como questões de sonegação fiscal. No caso da rede de postos de combustíveis, foi identificado indícios de sonegação tributária.
O auditor fiscal da RF, Michael Lopes, além dos bancos, prejudicados diretamente, o mercado do setor também foi afetado, bem como os cidadãos.
— Isso é uma concorrência desleal. Quando se tem um grupo com sonegação fiscal, ele consegue vender seu produto por um valor mais baixo, lesando os seus concorrentes. Se ele está sonegando e os impostos servem para saúde, educação e segurança pública automaticamente tem essa questão — explicou.
Ele ainda detalhou o processo de sonegação.
— Temos várias empresas criadas para fugir do Simples Nacional, que é uma questão tributária de valor menor. Então, ao invés de faturar aquilo tudo num ramo só de atividade, ele cria várias empresas — frisou.
Dois casos específicos foram citados pelo auditor. No primeiro, na Bahia, uma pessoa declarou ter recebido R$ 40 mil em três anos, porém, no começo deste ano, comprou uma BMW X6, avaliada em R$ 192 mil.
— De onde veio esse dinheiro? — questiona.
As provas novamente apontam para o uso de pessoas da família e funcionários como laranjas para abertura de empresas. No segundo caso citado, uma pessoa declarou ter recebido R$ 150 no ano passado, mas, após análise bancário, identificou-se a movimentação financeira de R$ 1,8 milhão.
Outra análise aponta para mais de 18 declarações do Imposto de Renda (IR) realizadas num mesmo computador, corroborando para a tese.
— Em uma das interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça, um dos investigados fazia isso há muitos anos e os auditores da Receita Federal nunca pegaram. E, hoje, esse nosso trabalho é prestação de contas. As instituições fiscais estão fazendo seu papel no combate à corrupção — encerrou o auditor.
O casal preso em Divinópolis é proprietário de uma rede de postos com 30 unidades em Divinópolis e região. Ambos foram ouvidos pela manhã na PF e levados para o presídio Floramar.
Confira a coletiva: