Recado da vida

LEILA RODRIGUES

Aquela era a quinta gaveta que eu abria para fazer a tal da “limpa” que eu protelei por tanto tempo. Desde o início da pandemia eu precisava fazer isso e fui empurrando com a barriga até não ter mais jeito. Até que precisei de espaço no armário e não tive saída. 

Boletos antigos (pagos, ainda bem) receitas que eu nunca fiz, número de telefone sem identificação (nessa hora eu penso que confiava demais na memória que eu já não tinha), cadernos velhos, encartes, propagandas e chaves velhas, enfim, uma gaveta cheia de coisas que eu juntei com a certeza de que seriam necessárias e que hoje não fazem nenhum sentido. Salvo uma caixa de lápis de cor zerada e alguns post-its intactos, praticamente nada ali tinha serventia. 

Sentei no chão e fiquei pensando se envelhecer seria isso, não ter serventia, ficar obsoleto de forma que não fizesse falta alguma. Como ficou meu celular tijolão, meu rádio relógio telefone e minhas fitas K7. 

Mas nós somos pessoas, somos humanos, somos diferentes desses aparelhos! Será? 

Será que eu fiquei velha porque meus cabelos brancos surgiram? Mas isso não afetou minhas faculdades mentais. 

Será que eu fiquei velha de um dia para o outro, quando cruzei uma esquina ou seria quando deixei aquele trabalho com uma caixa na mão cheia dos meus pertences? 

Depois de alguns minutos de devaneio, da minha parada básica para pensar na vida, faxinas são ótimas para isso, quando  praticamente tudo já estava separado, doação, lixo e uso, decido eu tatear novamente a gaveta até o fundo pra ver se não ficou nada para trás. Sou dessas! 

E então me deparo com um guardanapo de papel enrolado, amarelado e quase se desfazendo com a seguinte frase: 

“Envelhecer é fato, ficar velho é escolha.”

Peguei um papel limpo, reescrevi a frase, e joguei no fundo da gaveta novamente. Assim como serviu para mim hoje, servirá para alguém amanhã. 

Gaveta limpa, missão cumprida, bora viver que a minha escolha está feita faz tempo! 

A vida sabe dar seus recados.

[email protected] 

Comentários