Raimundo Bechelaine: Filósofa, feminista e mártir

Raimundo Bechelaine

Nos inquietos anos sessenta do século passado, um estudante do curso de filosofia viu nascer o mosteiro carmelita de Divinópolis. O moço residia então com o bispo diocesano. Nos dias que antecederam ao fechamento da clausura, teve alguma convivência com as monjas pioneiras que vieram organizar a casa improvisada para a nova fundação. E acompanhou os primeiros passos do mosteiro, desde os tempos da avenida 1º de Junho até a mudança para a colina do bairro Niterói. A lembrança daqueles primórdios inspirariam, mais tarde, em 1982, quarto centenário da morte de Santa Teresa, o jovem pároco da Paróquia do Senhor Bom Jesus do Niterói. Em homenagem à reformadora de Ávila, o padre a escolheu para titular da igreja a ser construída nas proximidades do bairro Icaraí. A imagem da nova padroeira foi preparada no Carmelo e lá existe ainda.

Segunda-feira passada, foi dia de grande festa, nas vizinhanças do hospital São João de Deus. Mas não era festa barulhenta, que incomodasse alguém. Eram as monjas do Carmelo Imaculada Conceição celebrando Santa Teresa Benedita da Cruz ou, para quem preferir, Santa Doutora Edith Stein. É comemorada aos nove de agosto, data da sua execução no campo nazista de Auschwitz, em 1942. Estava no auge a Grande Guerra e o desfecho era ainda indefinido. No próximo ano, completar-se-ão oito décadas. É uma data a ser lembrada, ao lado dos 400 anos da canonização de Teresa de Jesus.

Em setembro de 1998, João Paulo II deu a público a encíclica "Fides et Ratio". É bem possível que ele tivesse em mente a santa que seria canonizada no mês seguinte, quando escreveu a frase inicial: "A fé e a razão constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade". No caso de Edith, as indagações da razão vieram primeiro. 

Nascida em próspera família de judeus alemães, abandonou a fé dos antepassados e dedicou-se à filosofia. Seus estudos a introduziram em um prestigioso grupo de filósofos, onde brilhavam luminares como Reimarus, Edmundo Husserl, o pai da fenomenologia, Martin Heiddegger e outros. O nome da jovem doutora tornou-se conhecido, como professora e pesquisadora, conferencista e escritora. 

Aderiu ao iniciante movimento feminista. Discutia questões como o papel social da mulher e sua inserção no mundo do trabalho e no exercício das profissões. Um livro, que reúne algumas de suas conferências sobre o assunto: "A Mulher e sua Missão", foi publicado no Brasil (Edusc, 1999). Escreve aí: "... a mulher é destinada a ser a companheira do homem e a mãe dos seres humanos. Para isto está preparado seu corpo, a isto corresponde sua peculiaridade psíquica". Adélia Prado pode concordar com isso. Mas feministas como Simone de Beauvoir, Judith Buttler e outras se inflamariam de fúria, ao ler esta e outras passagens semelhantes.

É certo que mais de noventa por cento da mão de obra em ação nos trabalhos domésticos constitui-se de mulheres. Isso confirmaria as teses da Dra. Edith Stein sobre a "peculiaridade psíquica"? Em profissões como a enfermagem e o magistério, qual será a proporção? A propósito, inicia-se, na manhã de hoje, o "XII Congresso Nacional das Trabalhadoras Domésticas". O evento prossegue até domingo e acontece em formato virtual. É uma realização da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad).

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