Protestos na ALMG marcam trâmite do Regime de Recuperação Fiscal

Deputados expressam resistência em avançar projeto, considerado prejudicial aos servidores; Estado nega e aponta benefícios

Da Redação

A dívida de Minas Gerais com a União, estimada em R$ 154,6 bilhões, é o motivo de mobilização de servidores contra a intenção do governo estadual em aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RPF) do governo federal. O Executivo defende a iniciativa como ferramenta para alcançar a sustentabilidade fiscal. Servidores e parte dos parlamentares, porém, alegam que o movimento, além de não solucionar o débito, ocasionará no congelamento das carreiras do funcionalismo. 

A Comissão de Administração Pública da ALMG voltou a se reunir na manhã de ontem, com a distribuição do parecer. Um novo encontro está marcado para hoje, às 14h. No entanto, não há previsão para votação

— Faremos o processo de obstrução da mesma forma — ressaltou o deputado Sargento Rodrigues (PL). 

Durante a reunião, o Professor Cleiton (PV) citou a existência de 21 emendas, sendo seis delas com 30 páginas cada, exigindo cuidado na avaliação. 

Uma audiência está agendada para a terça-feira, 14, às 14h30. 

Texto

O texto original em trâmite na Assembleia autoriza o Estado a aderir o Regime de Recuperação Fiscal pelo prazo de 36 meses, passível de prorrogação pelo mesmo período, caso necessário. De acordo com o texto, o objetivo é "corrigir os desvios que afetaram o equilíbrio das contas públicas estaduais, mediante implementação das medidas emergenciais e das reformas institucionais nele especificadas". Neste período, o governo precisará seguir uma série de medidas visando restabelecer o equilíbrio financeiro. 

A matéria recebeu aval da Comissão de Constituição e Justiça na semana passada. 

Críticas

Sindicatos e servidores participaram, na terça-feira, de uma mobilização na ALMG contra o Regime de Recuperação Fiscal. Economista e coordenador técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-Ute/MG), Diego Oliveira cita a possibilidade de congelamento dos salários e o prejuízo a investimentos nos serviços públicos para adequação ao teto de gastos.

— Estados que já aderiram a ele, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, não estão conseguindo pagar os juros da dívida e cogitam não pagar o governo federal, caso não consigam dialogar com o mesmo — comparou. 

Outra crítica é em relação aos reajustes salariais dos servidores.

— Em caso da adesão ao RRF, é permitida a concessão de reajuste até o limite da inflação em todos os anos, mas o governo está propondo dois reajustes de 3% cada, um em 2024 e outro em 2028 — relatou. 

Com isso, outro impacto negativo seria na economia local, aponta o presidente do Sindicato dos Servidores da Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Estado de Minas Gerais, Hugo René de Souza.

— (...) ao fim de nove anos do RRF, o salário do servidor vai cair pela metade e ele perderá poder de compra, o que também vai impactar no comércio das cidades e em sua economia.

A coordenadora-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), Denise Romano, aproveitou o protesto para classificar as últimas iniciativas do governador como contrárias ao próprio projeto de reequilíbrio financeiro. 

— A quebradeira não pode se aplicar apenas aos servidores, enquanto o governador obteve um reajuste de quase 300% em seu salário. Um governo que aumentou impostos para pobres e isentou dívida de locadoras de veículos. Governo quebrado não pode abrir mão de receitas.

A diretora da Secretaria de Organização do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais, Núbia Roberta Dias, projeta uma perda salarial de 68% para os servidores da área, além de mais terceirizações. 

O presidente do Sindicato dos Servidores da Justiça de Primeira Instância do Estado, Eduardo Mendonça também criticou o modelo. 

— Que recuperação fiscal é essa que aumenta a dívida? Vende estatal, precariza serviço público e, ainda assim, a dívida aumenta — questiona.

Governo

Representantes do governo estadual estiveram na Assembleia no fim de outubro para esclarecer dúvidas. Segundo eles, o texto não retira os direitos já adquiridos pelos servidores e os reajustes salariais, além da revisão geral, não serão proibidos. Outra preocupação, de possível impacto negativo às prefeituras mineiras, também foi negada. 

O secretário de Estado de Fazenda (SEF-MG), Gustavo Barbosa, falou sobre um endividamento alto e histórico, desde 1998, do Estado. Da dívida atual de R$ 165,6 bilhões, cerca de 154,6 bi (93%) são com a União ou a tem como garantidora. Devido a uma liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a quitação está atualmente suspensa. 

— O RRF prevê a volta do pagamento de forma escalonada. No primeiro ano, o Estado não paga nada. No segundo ano, as parcelas correspondem a 11% do serviço da dívida. No terceiro ano, 22%; no quarto, 33% e assim, sucessivamente, até completar 100% — informou a SEF.

O prazo, de acordo com o secretário Barbosa, é necessário para o Estado implementar adequações orçamentárias e “voltar a honrar a dívida de forma sustentável”.

— Não estamos empurrando a dívida para frente, estamos buscando a sustentabilidade fiscal do Estado — acrescentou. 

Com a aprovação do Regime, o secretário de Planejamento e Gestão, Luisa Barreto, projeta mais fôlego financeiro a curto prazo. 

— Com o plano, falamos do pagamento de dívida no volume de R$ 4 bilhões. Sem plano, o valor projetado para ser pago em 2024 é de R$ 18 bilhões. Portanto, uma diferença em orçamento no caixa de R$ 14 bilhões. É um montante que corresponde, por exemplo, a um ano e meio das despesas de Saúde do Governo, um ano da folha da Educação, um ano da folha da Segurança Pública. Então, infelizmente, é isso que penaliza o servidor e o cidadão, que não recebe a política pública com a qualidade que ele merece — afirmou. 

A possível rejeição do plano, na avaliação do secretário de Fazenda, comprometeria o teto de gastos, pagamento de salários dos servidores, investimentos em Saúde e Educação e os acordos firmados para pagamentos de débitos deixados pela gestão anterior. 

— Hoje, Minas Gerais atende a todos os requisitos para aderir ao RRF. O Plano de Recuperação Fiscal, documento enviado à Assembleia Legislativa no último dia 16, foi elaborado com base em premissas técnicas. Ele contém as ações que façam com que o orçamento fiscal do Estado convirja para a sustentabilidade e, consequentemente, torne possível o pagamento integral das parcelas da dívida — complementou. 

O secretário de Governo, Gustavo Valadares, também citou a possibilidade de revisão do plano a cada dois anos ou, de forma extraordinária, anualmente. 

— O RRF é construído, debatido e discutido dia a dia, mesmo depois da adesão. Os estados que estão endividados constantemente conversam com o Tesouro Nacional — concluiu. 

Ponto a ponto

A Secretaria de Estado de Fazenda também publicou uma série de tópicos para esclarecer alguns pontos da proposta. O primeiro deles é sobre o reajuste salarial de servidores. 

— O Plano de Recuperação Fiscal prevê, no mínimo, duas revisões gerais dos salários dos servidores. A primeira, em 2024 e a segunda, em 2028. Caso o Estado tenha condições financeiras, outras revisões gerais e reajustes poderão ser concedidos durante a vigência do plano. É importante deixar claro que a revisão geral dos salários não está diretamente ligada ao RRF, mas à disponibilidade de recursos no caixa do Tesouro Estadual. Portanto, a hipótese de congelamento dos salários dos servidores é falsa — garante a pasta. 

Outro questionamento constante refere-se às promoções e progressões de carreiras.

— O plano não inviabiliza promoções e progressões de carreiras. Todas as ações relacionadas ao funcionalismo público já foram efetivadas: reforma previdenciária, previdência complementar e fim dos quinquênios e triênios. Portanto, nenhum direito adquirido dos servidores será perdido. 

O plano, afirma o Executivo, prevê a desestatização apenas da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig), sem estabelecer como necessária privatização da Companhia Energética (Cemig) ou Companhia de Saneamento (Copasa)

A decisão também não afeta os repasses às prefeituras mineiras. Segundo o governo, tais recursos estão excepcionados do teto de gastos. 

O governo argumenta, ainda, que outras alternativas não geram impacto significativo para sanar a dívida com a União.

— O aumento médio de arrecadação não é suficiente para o equilíbrio financeiro do Estado, sobretudo após as perdas decorrentes das Leis Complementares 192 e 194, que reduziram o ICMS de combustíveis, energia elétrica e comunicações — justifica. 

O Estado nega que a dívida aumentará com a adesão. 

— A dívida do Estado continua sendo calculada conforme condições atuais – IPCA + 4% a.a. ou Taxa Selic. Além disso, o RRF prevê a adoção das mesmas condições (mais favoráveis) para créditos em moeda estrangeira. 

RRP

O Regime de Recuperação Fiscal permite aos estados benefícios como a flexibilização de regras fiscais, concessão de operações de crédito e a possibilidade de suspensão do pagamento da dívida, desde que a Unidade da Federação adote reformas institucionais que objetivem a reestruturação do equilíbrio fiscal. Entre as reformas institucionais constam, por exemplo, a necessidade de aprovação de um teto de gastos, a criação de previdência complementar e a equiparação das regras do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), no que couber, às regras dos servidores da União.

— Ficam vedadas, por exemplo, a concessão de reajustes salariais, a realização de concursos públicos e a alteração de alíquotas que implique redução de arrecadação. Essas vedações, no entanto, não são rígidas, podendo ser flexibilizadas caso o Estado demonstre que a flexibilização não impactará o atingimento do equilíbrio fiscal — informa o Tesouro Nacional. 

O prazo máximo do RRF é de nove anos. 

Com informações da ALMG.

 



Comentários