Prefeito antecipa veto à Política Municipal de Saúde Integral à comunidade LGBTQIA+
Audiência pública na noite desta quarta criticou, em especial, brecha sobre banheiros e ausência da vereadora Lohanna França
Da Redação
O prefeito de Divinópolis, Gleidson Azevedo (PSC), antecipou veto ao projeto PL CM 088/2022, de Lohanna França (Cidadania), que cria a Política Municipal de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queer, Pessoas Intersexo e Assexuadas (LGBTQIA+). O texto ainda tramita na Câmara. A afirmação foi feita na noite desta quarta-feira, 29, durante audiência pública na Câmara para discutir a proibição de banheiros, toaletes e vestiários “multigêneros” ou “unissex” na cidade.
Em seu discurso, o chefe do Executivo reconheceu a importância da audiência em “defesa da família”. Em referência à fala de seu irmão, o vereador e requerente da audiência, Eduardo Azevedo (PSC), Gleidson reforçou que “política, para nós, não é profissão, é missão de Deus”. Antes de encerrar, antecipou aos presentes que, mesmo se aprovado pela Câmara, ele não sancionará o projeto.
— Vocês estão achando que o prefeito vai sancionar um projeto desses? (...) Se for contra a família, está vetado — garantiu Gleidson, sob aplausos.
Audiência
Os presentes argumentaram que o projeto da vereadora cria brechas para a entrada de homens "mal intencionados" em banheiros femininos, resultando em casos de abuso sexual. Do outro, as lideranças defendem que a proposição apenas visa garantir o respeito à comunidade dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) e, em resposta, citam que a maior parte dos estupros acontece dentro do próprio núcleo familiar da vítima, e não em banheiros.
Parte considerável do público presente, que lotou o Plenário da Câmara na noite de ontem, era contra o projeto, com gritos contra o PT, “Fora Lohanna” e em defesa da “família”.
De Belo Horizonte a Divinópolis
Convidado a integrar a audiência, o vereador da Câmara de Belo Horizonte, Nikolas Ferreira (PL), também se fez presente. Ele, que citou “não ser fácil se colocar contra questões progressistas”, disse que o projeto não fere apenas "questões morais, mas é ilegal e inconstitucional".
— O projeto altera a estrutura administrativa, por isso é de competência do Executivo, não do Legislativo. Antes dela lacrar, ela [Lohanna] deveria ler a Lei Orgânica — citou.
Ele acrescentou que a proposição gera gastos para o Executivo e os vereadores não podem criar despesa orçamentária para a Prefeitura. Sobre o tópico dos banheiros, o argumento foi o mesmo dos demais colegas. Para ele, a política pública proposta é um "privilégio" e não um direito, uma vez que todos devem ter acesso assegurado à saúde.
— Uma outra pessoa, talvez um estuprador, pode fazer uso dessa brecha. (...) Estão colocando um potencial estuprador dentro do banheiro feminino. (...) O banheiro não diz respeito à identidade de gênero, mas à diferenciação biológica — concluiu.
Vulnerabilidade
A reunião começou com o pronunciamento do ex-vereador e pré-candidato a deputado federal, Sargento Elton. Ele compartilhou que, durante seus mais de 30 anos de serviços na Polícia Militar (PM), atuou na segurança de festas e eventos. Segundo ele, era frequente a tentativa de homens entrarem em banheiros femininos “usando da brecha de que confundiu”. Para o ex-parlamentar, o projeto da vereadora abre precedente similar, colocando as mulheres em situação de vulnerabilidade e de risco à integridade física. Por fim, ele classificou o projeto como um “caos enorme para a segurança pública”, como possíveis crimes de violência sexual e atentado ao pudor.
— Tanta coisa para preocupar e a polícia vai ter que se preocupar com banheiro? — questionou.
Eduardo Azevedo (PSC), autor de projeto que proíbe banheiros, toaletes e vestiários “multigêneros” ou “unissex” na cidade, também citou como argumento a “defesa das famílias” e voltou a relatar, assim como fez em reuniões anteriores da Câmara, casos em Divinópolis de banheiros “coletivos e unissex”.
— Ela não é mãe, ela não sabe o que o pai e a mãe passam para garantir a segurança de suas filhas — afirmou, em referência a Lohanna.
Para ele, é preciso legislar a proibição o quanto antes.
— Vamos esperar a desgraça acontecer, ou vamos agir antes? — refletiu.
Eduardo disse, ainda, que não está em discussão a orientação sexual, a qual ressaltou respeitar a liberdade individual, porém reforçou que “a segurança e a privacidade das mulheres precisam ser preservadas” contra os “aproveitadores”. O vereador acrescentou não ver a Câmara como um espaço político, mas como um ministério para levar a palavra de Deus.
Azevedo também criticou a ausência da vereadora no debate. Ele acusou Lohanna de usar a comunidade LGBTQIA+ para se promover politicamente.
— Ela pulou fora. Você não representa eles. Você usa eles para fazer palanque político — disse.
Tanto Eduardo quanto Lohanna são pré-candidatos a deputado estadual.
Violação à privacidade
Em seguida foi a vez de Tabita Vaz, natural de Divinópolis, que se define como “influenciadora, conservadora, cristã, femininina e não feminista”, usar a palavra. Durante seu tempo de fala, fez citações bíblicas e reforçou trechos do pronunciamento de Eduardo, citando que a comunidade LGBTQIA+ não tem representantes, apenas "pessoas que se aproveitam deles para ascender ao poder”.
Sobre o projeto, Tabita defendeu que a proposição abre brechas para “homens mal intencionados” invadirem um espaço “privado e íntimo”.
— Onde fica a proteção às mulheres? — perguntou.
Segundo ela, especialmente pela proposição ter como foco ambientes do Sistema Único de Saúde (SUS), trata-se de mulheres em situação de maior de vulnerabilidade, de pacientes com ampliada fragilidade causada por doenças.
— Uma mulher fraca, debilitada… Seria justo? O banheiro é um espaço fechado, com quatro paredes, trancado, propício ao abuso. E isso aumenta muito nossa insegurança — defendeu.
Ela também disse que o projeto cria custos adicionais ao Executivo e não é a principal prioridade quando o tema é saúde.
“Vamos rejeitar”, promete vereador
O vereador Flávio Marra (Patriota) foi outro a questionou a ausência de Lohanna.
— Cadê a Lohanna França? Ela amarelou? (...) Não adianta vir com esse projetos goela abaixo de pôr mulher em banheiro de homem. Não vai passar, não adianta.
Ele ressaltou respeitar a comunidade.
— A minha irmã é homossexual e o que é que tem? Estamos discutindo questões da família.
Mais razão e educação, menos emoção e paixão
Único a não criticar o projeto, o professor e presidente do Conselho Municipal de Educação, José Heleno, foi também o mais interrompido pela vaias. Ele iniciou seu pronunciamento citando os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgados nesta semana. Segundo o relatório, em 2021, mais de 35 mil crianças, entre 0 a 13 anos, foram estupradas no Brasil — quatro a cada hora. Os detalhes apontam que 40% dos crimes foram cometidos por pais ou padrastos, 30% por primos, irmãos ou tios e 9% por avós. Ele também destacou que, durante a pandemia, o número de denúncias foi drasticamente reduzido, uma vez que parte das denúncias são feitas, por exemplo, após a discussão do tema dentro das escolas.
Ao concluir a leitura dos dados, Heleno pontuou ser preciso reconhecer a violência sexual para outros ambientes, além dos banheiros.
— É muito triste ver como essa discussão é desvirtuada, quando os dados nos mostram que é em outras situações em que acontece a violência — citou.
Para o professor, é fundamental criar políticas públicas em defesa da comunidade LGBTQIA+.
— É importante também ter clareza de que as pessoas trans existem. Não é possível negar. Elas existem, trabalham, pagam seus impostos, são cidadãs e estão expostas a uma série de violências e não é possível, enquanto poder público, simplesmente negar a existência dessas pessoas e a vulnerabilidade delas — reconheceu.
Por isso, ele defendeu um amplo debate, com base na razão e “não na paixão e emoção”.
— Estamos num país que, de acordo com a constituição federal, é um Estado Laico e precisamos respeitar essa questão — argumentou.
O presidente do conselho frisou a importância da Educação para que “pessoas se respeitem, possam ser ouvidas e tenham direito de falar sobre elas mesmas”, em referência à comunidade LGBTQIA+.
— Os banheiros não são as causas principais do estupro. (...) É preciso que as pessoas trans sejam ouvidas justamente sobre suas reivindicações. (...) É muito triste ver que, aqui, as pessoas negam a existência delas — reforçou.