Poesia: Não gosto e não entendo!

Cláudio Guadalupe 

 

POESIA: NÃO GOSTO E NÃO ENTENDO!

Como não gostar de poesia, se a linguagem poética é o campo mágico das palavras, dos ritmos, das imagens, das rimas que tocam a sensibilidade humana?

Várias são as explicações. Primeiro deve-se compreender o contexto da pouca leitura no país (brasileiro só lê 4,9 livros por ano, incompletos), somada à baixa renda da população, à falta de políticas públicas de apoio à leitura nas escolas e nas cidades. Lê-se muito a bíblia, livros religiosos, livros didáticos, gibis, livros de autoajuda… Mas a poesia é a última escolha.

Existe outro problema: o tratamento erudito, maçante, nos poemas, com versos incompreensíveis, com extremo formalismo, rigorosos na métrica e rimas, num discurso longe da realidade, do romantismo e do parnasianismo, do século XIX, estudados até hoje nas escolas. Veja aí um exemplo famoso:

Língua Portuguesa (Parnasianismo)

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela... (Olavo Bilac, Poesias, 1888)

Mas a literatura, sobretudo a poesia, não parou! Nos anos 20, a poesia deu o grande salto, o Modernismo, com uma poética mais social e de linguagem simples, direta. Oswald e Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade e outros criaram uma nova poética. 

A linguagem poética tomou outra direção. E, nas décadas de 1960/1970/1980, a poesia passou a ter uma linguagem popular via os Hai Kais, os poemas-piadas e os poemas sociais. Surgiram os movimentos do concretismo, do poema-processo, da poesia social e a “poesia Marginal”. Aparecem novos poetas como Paulo Leminski, Cacaso, Haroldo de Campos e outros, além dos modernistas Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Félix de Athayde, Cecília Meireles, Thiago de Mello (leiam esses poetas, por favor) que continuaram no cenário poético nacional. 

Falta muito ainda para a população realmente saborear a linguagem poética como um direito social. Mas hoje há fortes movimentos sociais realizando os saraus, o Slam –  batalhas de rimas, as publicações de fanzines ou livros não comerciáveis pela juventude, que favorecem, sim, a boa aproximação com a poesia. 

 

E a poesia pós-moderna aqui se firmou nos poemas de Adélia Prado, Affonso Romano de Sant’Anna, Manoel de Barros. E Manoel ensinou em sua lírica vegetal, mineral e visceral, como deve ser a poesia: “Poesia é voar fora da asa” (Manoel de Barros, Poesia Completa, 2010). Já o poeta Affonso Romano Sant’Anna, com uma verve mais crítica social-política, nos brindou com belos poemas da pós-modernidade, como esse:

 

REFLEXIVO

O que não escrevi, calou-me.
O que não fiz, partiu-me.
O que não senti, doeu-se.
O que não vivi, morreu-se.
O que adiei, adeus-se. (Sant’Anna, Affonso R., O Lado esquerdo do meu Peito,1992)

Em Divinópolis, teremos a nova poesia. Seja nos tempos do “Movimento Agora” (1967/1969), com os poetas Fernando Teixeira, Oswaldo André, Lázaro Barreto, Fabrício Augusto, como nos tempos do Mural de Poesia Dazibao (1981/1993/1994/1996) com os poetas Camilo Lara, Marcus Vinicius de Faria, Nilson Penha Silva, Otávio Paiva (Cuca), Wellington Messias de Oliveira, David Raposo, Adriana Versiani, Juvenal Bernardes e Carlos Antônio Lopes. Há ainda os reconhecidos poetas da ADL como Sebastião Milagre, Júlio Régis, Jadir Vilela, Maria Imaculada e agora, no século XXI, uma nova leva de autores que defendem a poesia em movimentos como o Oficina da Rima, o Coletivo Arteferia ou autores isolados, como Luis Mingau, Lucas Galvão, David DiOli, Leiam alguns poemas desses poetas:

 

  HIGIENOCÍDIO

Quem lavou mais as mãos

do que o presidente da nação? (Luis Mingau, Evangelhos Pandêmicos, 2020)

-

PÓS-MODERNIDADE

Um vazio

Enche a gente (Luis Mingau, Evangelhos Pandêmicos, 2020)

 

POETA

caído

na sarjeta do mundo

em cárcere profundo

e de alma rota

 

um POEMA imundo

lambe a minha boca. (DiOli, David. Poema com P. de Puta,2014)

 

PARADOXO

A rua em que não nasci

Chama-se Independência.

Lá eu fui escravo do primeiro amor.

Depois mudaram o nome da rua

E eu me apaixonei melhor. (Régis, Júlio. Desengavetando, 2001)

 

CANSAÇO  

Coloco os 10 dedos na garganta 

e em mim, 

a única ânsia que sinto, 

é a de viver! 

 

Respiro...

e me canso.

Me movimento...

e me petrifico. 

 

Incapacitada.

Obstruída.

Enrijecida.

 

Absorta em mim,

me sustento,

me furo

e me transbordo.

Já não sou mais suficiente. 

 

Transpasso para o que é palpável 

as sensações que me inundam,

e dentro de mim mesma, 

me escapo,

me afogo,

e desapareço cada vez mais!  (P.S. Rafaela, Fanzine ARTEFERIA, 2022) 



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