Péssimo hábito

Péssimo hábito 

Em uma determinada ocasião, quando ainda era presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso disse a histórica frase: “Brasileiro esquece rápido demais”. Sim, ele estava coberto de razão. Talvez um dos maiores pecados cometidos pela população brasileira, além de não se informar corretamente, é esquecer fácil demais e, com isso, não fazer as cobranças devidas, que, quem sabe, ajudariam o país a evoluir. Ontem, dia 21 de outubro, o rompimento da barragem de Brumadinho completou mil dias. O Corpo de Bombeiros de Minas Gerais (CBMMG) continua as buscas pelos corpos de oito vítimas desaparecidas. Em paralelo às buscas, e às famílias que foram condenadas a conviver com essa tragédia para sempre, o rompimento da barragem completa mil dias, e ninguém, absolutamente ninguém foi punido pelo desastre. 

Para 270 famílias, o relógio parou exatamente às 12h28, do dia 25 de janeiro de 2019, quando a estrutura da barragem B1 ruiu na mina do Córrego do Feijão. Já para os responsáveis pela tragédia a vida seguiu e segue normalmente. Os gritos por justiça se calaram, o desejo de punição parece ter se perdido ao longo destes mil dias e, no mesmo instante em que os gritos se calaram, a certeza da impunidade fez morada junto àqueles que deveriam pagar pelo erro que fez 270 vítimas. Quando Fernando Henrique Cardoso disse anos atrás que o brasileiro esquece rápido, ele disse com propriedade, pois nós temos esse péssimo hábito de, como em um estalar de dedos, esquecer tudo aquilo que nos aflige, que nos assola. 

É justamente por termos esse péssimo hábito que novas vítimas, dos mais variados crimes, são feitas todos os dias. A tragédia de Brumadinho apenas reflete o quanto esse péssimo hábito é mortal, pois o desastre aconteceu quatro anos depois do rompimento da barragem de Mariana. Da mesma forma que mil dias depois do desastre de Brumadinho, hoje, 2.177 dias depois da tragédia de Mariana, e próximo de completar seis anos do rompimento da barragem do Fundão, ninguém foi punido. Talvez o Brasil seja o país da impunidade não somente por culpa de seus representantes, mas também por seu povo, que depois de três dias segue a vida normalmente, como se nada tivesse acontecido. Talvez, como dizem por aí, os políticos brasileiros sejam apenas o reflexo de seus eleitores. 

Hoje, mil dias depois do desastre de Brumadinho, 2.177 dias depois da tragédia de Mariana, nos perguntamos: mais vítimas serão feitas por causa desse nosso péssimo hábito de esquecer as coisas? Mais famílias terão seus relógios parados no tempo por causa da certeza da impunidade que é peculiar deste país? Essas são perguntas que dão até medo de responder, pois, apesar de ninguém querer passar por isso de novo, graças ao velho hábito do esquecimento, todos estão sujeitos a viver um desastre mais uma vez, e mais uma vez ver a vida seguir como se nada, absolutamente nada tivesse acontecido. Em poucas palavras, este é o nosso Brasil, o país da impunidade onde a população se esquece facilmente de todo mal que ronda e assola.

 

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