Pelo o que luto

Pelo o que luto

Laiz Soares

Considero o estudo muito importante, assim como também me preocupo em estar atualizada por jornais e revistas. Sempre incentivei a educação política e sei que o conhecimento é transformador, mas, mesmo que os livros nos formem, são nossas relações e experiências que nos edificam.

Hoje, o que trago para vocês é muito mais do que dados e pesquisas sobre a falta de oportunidades que as mães enfrentam no mercado de trabalho, trago experiências reais que ocorrem ao nosso lado. Pois não luto por mais creches em nosso município pelo que vi em livros ou nas aulas da faculdade, são minhas vivências e as pessoas que encontro em minha caminhada que me incentivam e provam cada vez mais a necessidade de igualdade de gênero.

 

Na segunda-feira, conheci uma mulher, quando começamos a conversar não imaginava que sua história transformaria minha semana. Ela ganhou um filho há pouco tempo e me contou com alegria sobre todo amor que sente em ser mãe e em ver o crescimento do bebê. 

Porém, em meio à felicidade desse momento importante, ela contou da dificuldade que vive como mãe e trabalhadora. Ela atua como doméstica há anos, era ajudante de diversas casas e mantinha sua família com seu trabalho. Porém, com a chegada do bebê, a mulher perdeu diversas casas que trabalhava por não ter com quem deixar seu filho. Hoje a mulher se mantém com apenas o auxílio emergencial e o dinheiro de um local que ainda atende, pois a deixam levar o filho para o serviço. 

 

Com o bebe recém-nascido e a casa para manter, passa por dificuldades enormes que seriam solucionadas caso ela possuísse oportunidades que já lhe são de direito. A Constituição Federal em seu art. garante à mãe trabalhadora o direito de, após o nascimento de seu filho, requerer licença de 120 dias de afastamento do trabalho, sem prejuízo do seu salário. A mãe trabalhadora ainda tem o direito a berçário ou creche. Mais do que um direito da mulher, a creche também é um direito do filho, o art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente e o art. 208 da Constituição Federal asseguram o atendimento em creche e em pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de idade.

Como pode ser normalizada a falta de emprego e oportunidade de uma mulher? Como algo garantido na Constituição pode ser negligenciado para tantos cidadãos? Apenas 54,6% das mães de 25 a 49 anos que têm crianças de até três anos em casa estão empregadas. A maternidade negra, nessa mesma situação, apresenta uma taxa ainda menor, em que apenas 49,7% está no mercado de trabalho, segundo o IBGE.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e atualizada pelo G1 aponta que a taxa de participação de mulheres com filhos de até 10 anos no mercado de trabalho caiu de 58,3% no segundo trimestre de 2019 para 50,6% no mesmo período deste ano. Esse número demonstra o desafio enorme que é conseguir se manter no mercado de trabalho com crianças pequenas. As razões são as mais diversas, desde preconceito das empresas e falta de políticas que facilitem a vida das mães no mundo do trabalho, à ausência de um espaço adequado para deixar as crianças em segurança.

O período de vida referente ao nascimento até os 6 anos de idade é chamado de primeira infância. Nessa idade as crianças apresentam o desenvolvimento físico, emocional, social, cognitivo. Além disso, a escolaridade na primeira infância tem grandes impactos no desenvolvimento das crianças, visto que é nessa etapa da vida que o cérebro mais se desenvolve em termos estruturais, contribuindo diretamente para o aprendizado. Estudos apontam que, para redução da desigualdade social e econômica, políticas públicas para a primeira infância são essenciais. A oportunidade de deixar seu filho em uma creche, além de facilitar a inserção da mulher no mercado de trabalho, pode transformar o futuro do filho.

 

De acordo com os dados do Ministério do Desenvolvimento Social, em 2017 somente 32,7% das crianças frequentavam creches no país, enquanto 91,7% estavam na pré-escola. Na lei, uma criança de 0 a 3 anos frequentar a creche é opcional, enquanto a pré-escola é considerada obrigatória para as crianças de 4 a 5 anos segundo o Plano Nacional de Educação (PNE). Porém muitas mães precisam deixar seus filhos de 0 a 3 em creches e não encontram essa possibilidade. As razões para o não atendimento das crianças nas creches e pré-escolas são diversas e incluem a falta de vagas para as crianças e até mesmo falta de conhecimento sobre os serviços prestados existentes por parte da população.

A demanda por construção de novas creches é grave e precisa ser considerada duplamente pelo poder público como uma política estratégica de educação, pensando no desenvolvimento cognitivo na primeira infância, mas também uma política social e econômica de inserção das mulheres no mercado de trabalho e na geração de riqueza e desenvolvimento para o país. 

Todos os espaços políticos e econômicos expulsam as mulheres direta ou indiretamente, mas não abriremos mão da nossa independência e liberdade. Temos o direito de construir nossas famílias e desenvolver nossas carreiras!



*Laiz Soares é formada em relações internacionais pela PUC Minas e pela Essca na França. Atuou liderando equipes e projetos no setor privado, em ONGs e no Congresso Nacional. Idealizadora da Escola de Líderes.

 

Comentários