Para além do racismo

CREPÚSCULO DA LEI – Ano V – CVIII

No dia 07 de janeiro deste ano, em Memphis (EUA), Tyre Nichols, 29, foi abordado no trânsito por cinco policiais, seguindo-se daí um espancamento até sua morte, e a entrega de um cadáver completamente desfigurado para a cerimônia do sepultamento.

A vítima era um negro. Os policiais também.

Que tipo de reflexão poderia ser construída acerca do ocorrido?

Sem dúvida, muitas. Todavia, nenhuma delas estaria convincentemente construída caso apresentasse elementos oriundos tão somente das teorias segregatórias e racistas, provavelmente nem as teorias do eugenismo social poderiam dar conta da compreensão do episódio.

Indubitavelmente, todos esses argumentos poderiam e podem contribuir com uma arquitetura do compreensível daquela violência, mas não sem antes (tentar) superar a semiótica da violência da vida e do viver, desde a força cósmica que uma simples molécula carrega em seu núcleo e que a faz expandir e dominar ao longo de sua eterna existência, já que matéria é energia.

Essa “força cósmica” vem atravessando os patamares da “evolução” da vida deixando para trás criaturas derrotadas e extintas, bem como outras que se esgueiram nas sombras de gigantes capazes de avançarem rumo aos horizontes de suas conquistas.

Incapaz de lidar com este intrínseco mandamento destrutivo-evolutivo de poder vital, a humanidade se vale dos elementos estéticos disponíveis para a conformação de um pensamento apaziguador, lastreado em uma situação de ignorância benéfica, quase sempre diante de um ser superior capaz de premiar os reveses dessa mesma ignorância.

Tal mundo de ignorância benéfica consiste na negação do poder vital nos ditames da autonomia do ser para si-mesmo, ou seja, entregando o “ser-si” a um outro-ser-maior para a administração dessa força, sob o tenebroso argumento de que ela pode se voltar contra as criaturas ignorantes. Funcionou e vem funcionando desde a tragédia adâmica no jardim do Éden.

Sob esses aspectos, a ignorância em relação à força vital não se mantém suficientemente vigiada ante os cultos da palavra que media, nem da reação que interna, daí a molécula originária a reagir regendo-se naquilo que a faz existir: expandindo!

Tudo isso para (tentar) entender o seguinte: a experiência da contenção pode ser interrompida desde a performance quântica quando da força vital ao encontrar possibilidades de expansão, ou seja, nos casos em que alguém se dá com a oportunidade da devolução (ou resgate) do seu “ser” para um novo exercício do poder. 

Haverá a de-monstro-ação desse poder. Alguns teóricos da sociologia vão chamá-lo, como fenômeno, de EFEITO LÚCIFER, exatamente por sintetizar o mais iluminado dos arcanjos se expandindo – depois da batalha celestial – até o ponto de tomar posse e reinar no Tártaro. Lá, para Lúcifer: “É melhor reinar no Inferno que servir no Paraíso.”

Significa que o poder atuar desde a dimensão micromolecular e se expande até onde possa fazê-lo. Ao adquiri-lo, as pessoas se revelam naquilo que a força vital vai exigir, feito como respostas para esse encontro com as forças que a reprimiam. É violência pura, do cosmo aos mundos.

Quando os policiais negros mataram o negro, foram tomados por um poder (e violência) que expandiu. E ela está acima do racismo, do sexismo, do machismo, do fascismo ou qualquer outro “ismo”.

A questão, portanto, perpassa por problemáticas elementares que não envolvem apenas a contenção de tal força, mas (talvez) nas formas de se lidar com ela. Para isso é necessário admiti-la como poder geral, e não usá-la contra alguns e em desfavor de outros. Ela está no meio de nós.



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