O princípio da insignificância é insignificante

Domingos Sávio Calixto

No dia 6 de junho, registrou-se o habeas corpus 216.434 no Supremo Tribunal Federal (STF), sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes.

Tal expediente envolve o furto de R$ 45 e cujo valor foi restituído logo em seguida pelo autor, o qual foi inicialmente absolvido.

Ocorre que o Ministério Público (MP) recorreu (...) e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) acolheu o recurso da acusação para CONDENAR o autor a 2 anos e 4 meses de reclusão, regime inicial fechado.

Foi absurdamente necessário que o caso fosse levado ao STF – a mais alta corte do país – para que a absolvição fosse restabelecida.

Ora, esse caso é apenas um entre as centenas, talvez milhares, nos quais o princípio da insignificância é tratado com insignificância quando envolve fatos e coisas insignificantes. 

Parece que é muito significante para a Justiça do país insistir no exercício do poder punitivo em desfavor das classes mais desfavorecidas como principal alternativa simbólica para uma justiça notoriamente seletiva.

Afinal, o que está havendo com o princípio da insignificância? Qual a razão para que ele seja negligenciado em desfavor de vulneráveis econômicos?

Basta levar adiante qualquer pesquisa da população prisional ou da população penitenciária para uma constatação que apenas revelará o óbvio: os pobres são o alvo preferencial do “jus persequendi”, do “jus puniendi”, do “jus punitionis”, do “jus qualquer coisa (...)”.

A questão não se encerra neste vitupério. Há outros.

O princípio da insignificância é amplamente aplicado aos casos de autores mais bem posicionados financeiramente.

São casos, por exemplo, que envolvem políticos, empresários e autoridades públicas, principalmente nos descaminhos para com a Receita Federal, os quais geram arquivamentos da ação ou parcelamento de vultosas dívidas.

Além disso, uma situação de insignificância reversa ocorre nos casos de delação das quais resultam “prêmios”  – inclusive perdão – para aquele que será graciosamente recebido nos autos como colaborador. 

Efetivamente, a tal delação foi feita para os crimes de colarinho branco. Para os crimes da microcriminalidade – vide tráfico de drogas – o “colaborador” terá sua sentença de morte determinada pelos atingidos.

Outra decorrência da insignificância reversa envolve, por outro exemplo, a “reforma agrária” em favor das classes baixas. Normalmente, ela é tratada como coisa de comunista, crime ou coisa do capeta.

No entanto, essa atitude envolvendo distribuição de terras é, por outro lado, tratado com insignificância quando a questão envolve a classe alta, latifundiários, no Brasil. A maioria “adquiriu” suas terras mediante atos de política de governo, sem necessariamente haver atos de compra e venda, mesmo porque não existe vendedor para terras sem dono.

Isso sem se falar nas práticas de grilagem, esbulhos e homicídios no campo, conforme está ainda acontecendo nos dias atuais, inclusive na Amazônia, e com o envolvimento de gangues estrangeiras.

A pergunta persiste e insiste: Qual o problema da Justiça em relação ao princípio da insignificância para as classes mais baixas? Por quais motivos esse princípio tem aplicabilidade generosa em relação às classes financeiramente mais abastadas?

Seria uma compensação aos ricos, já que “não entrarão no reino dos céus”? Não. Eles podem comprar uma agulha de buraco bem amplo e, nele, o camelo não vai, seguramente, entalar.

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