O drama invisível dos entregadores
Fernando Gabeira
Antes e depois da pandemia, fiz um trabalho sobre os andarilhos, mostrando como povoam as margens das estradas brasileiras e são invisíveis para a maioria dos motoristas. Mas há outro tipo de pessoa incorporada à paisagem urbana que, às vezes, nem é notada. São mais de 1 milhão de entregadores por aplicativos que cruzam as ruas do Brasil. Contribuem com nosso conforto e também com a mobilidade urbana.
Hoje, é possível que façam uma grande manifestação para mostrar como recebem pouco e como são precárias suas condições de trabalho. Grandes empresas, como a Amazon, fizeram uma proposta de R$ 12 a hora para motociclistas e R$ 7 para ciclistas. É muito pouco. Lembro-me de ter trabalhado muitos anos na Suécia e ganhava por hora mais do que ganhariam por um dia de trabalho.
Cinco horas em cima de uma bicicleta para ganhar R$ 35 é realmente uma ninharia. Já estive por cinco horas diárias numa bike, durante a campanha política, e sei como é cansativo.
Os ganhos dos entregadores eram maiores e têm caído vertiginosamente com o tempo. Isso se explica, como acontece com todas as categorias, pelo aumento de disponibilidade da mão de obra — o crescimento do que, em termos clássicos, chamamos exército industrial de reserva. As empresas aproveitam a disponibilidade de milhares de pessoas que ficam subitamente sem trabalho e lançam mão do carro, da moto ou da bike para sobreviver. Em alguns casos, o trabalhador ainda paga o aluguel da bicicleta por hora.
Durante a pandemia, cresceu um pouco o interesse pelos entregadores. Assim como os que trabalham na saúde, e outras atividades essenciais, apareceram como aquelas pessoas indispensáveis que, às vezes, ignoramos. A pandemia passou, mas não se apagou a realidade revelada por ela. São trabalhadores essenciais, e não tem sentido que vivam com tanta precariedade.
Ocupei postos menos importantes na Suécia. Fui porteiro noturno de um hotel tranquilo, cortei grama em cemitério, mas o que mais admirava na sociedade escandinava era exatamente todos os trabalhos terem uma remuneração digna. Aliás, é uma das características que às vezes impressionam os brasileiros: as diferenças salariais não são tão grandes como aqui. Uma campanha para que filhos de trabalhadores entrem na universidade, todos viajem de avião, como às vezes é expressa na política brasileira, não teria sentido por lá. Já é um dado da realidade.
Existem algumas dificuldades para que se faça justiça aos entregadores. Possivelmente, não queiram se organizar em sindicatos. São acossados por um número cada vez maior de pretendentes ao trabalho. E não encontram um eco na política tradicional. Eles são um novo tipo de trabalhador, que move parte da vida das grandes cidades. Recentemente, um deles foi agredido porque não subiu ao apartamento para entregar a comida. O cliente achou que ele tinha obrigação, o que não é verdade.
Existe algo que poderia ser feito também. Não pretendo que isso seja uma solução. Apenas uma proposta que deveria ser examinada no grupo de trabalho que o governo formou para tratar do tema. A maioria dos restaurantes cobra 10% por serviços. Quase todos fazem isso obrigatoriamente. Por que não determinar uma taxa de serviço? Garçons andam muito, mas num ambiente seguro. Entregadores enfrentam quilômetros, trânsito complicado, às vezes chuva forte.
Essa ideia não exime as empresas de apresentar propostas decentes de remuneração. Em último caso, poderia ser uma escolha do cliente. Seria uma maneira de contribuir para que os ganhos de entregadores, que só fazem cair nos últimos anos, chegassem a um patamar coerente com sua grande importância social.
Se houver algum movimento hoje, como estava programado, espero que tenha êxito. Será um pequeno avanço num país tão desigual.