Nosso holocausto

CREPÚSCULO DA LEI – Ano VI – CCLXXII

Quando se aborda a praga do racismo no campo material da história, observa-se que sua funcionalidade como supremacia de seres humanos em relação a outros seres humanos pode ter se iniciado no século XV, durante o reinado de D.Afonso V em Portugal, nos anos de 1438 a 1481.

Nessa época, nem H. Spencer, nem F. Galton, nem A. Gobineau sequer tinham nascido, muito menos C. Lombroso ou R. Garófalo. Da mesma forma H. Cortez ainda não havia eliminado os Astecas, nem F. Pizarro exterminado os Incas.

Antes destes racistas proeminentes “pensarem em existir”, foi no começo da década de 1440 que D. Afonso V deu início ao sequestro, tráfico, sofrimento e morte de pessoas na exploração da costa africana, com o intuito de invasão e colonização daquele continente.

Ocorre que o sequestro, comércio e escravização de pessoas não são itens curriculares adequados aos feitos históricos de um monarca cristão. Foi com esta preocupação (?) que D. Afonso V contratou como seu cronista-mor o indivíduo GOMES EANES DE ZURARA (1410 – 1474, Portugal). 

A contratação foi exatamente para que Zurara fizesse uso de sua reputação em retórica para promover a hierarquização negativa - e inferiorizada - dos negros e população africana, facilitando sua captura e exploração para os anais de suas conquistas.

A intenção do monarca era, portanto, contratar os serviços narrativos de Zurara para que seu “serviço sujo” pudesse construir uma ideologia de “justificação” em face das gravíssimas práticas desumanas que iriam se seguir - lembrando que as famosas Ordenações Afonsinas ficaram prontas em 1446, para piorar.

Zurara cumpriu bem seu papel. Seus escritos, principalmente na obra “Crônica da Guiné”, se encarregaram devidamente de desfigurar os afro-humanos em vasta verborragia onde desfilam termos como “terra dos Negros”, “locus horrendus”, “mouros lentos, covardes e falsos.”

O cronista de Sua Alteza realmente não mediu esforços para retratar os africanos no estereótipo tribal – desconsiderando as diversas nações de África – como seres inferiorizados e primitivos, resgatados necessariamente à civilização em face do etnocentrismo da Europa e suas práticas salvadoras de cristandade romana.

Zurara também contribuiu para o entendimento de que os africanos eram incapazes de se governarem – e autogovernarem - por serem “selvagens e bárbaros”, de sorte que sua captura para trabalhos forçados era praticamente necessária e redentora.

Não resta dúvida que se deve ao sr. Gomes Eanes de Zurara o triste “mérito” de boa parte das desvantagens de uma ideologia da fealdade utilizada contra os africanos, com êxito, pelo racismo.

Convenha-se que, em um país com pouco mais de quinhentos anos, considerar que essa coisa funcionou por quase quatrocentos anos – quatro séculos – assusta!

Sem embargo, não tem cota alguma capaz de reparar DEVIDAMENTE esse inesquecível estrago. Aos contrários, m mínimo de vergonha “branca” ajudaria bastante.

 

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