Não posso mais ouvir em silêncio. Ela dilacerou a minha alma. Porque o amor dele não durou o tempo do meu?

É impossível não filosofar quando se trata de relações familiares. Por isso pergunto ao caro leitor: ’Quem esquece mais rápido, os homens ou as mulheres? ’ 

Fato é que uma relação construída no transcorrer de anos, por um descuido pode ser destruída em minutos. Uma ruptura matrimonial geralmente é carregada de dores e sofrimentos. Sentimentos como rejeição, revolta e vingança rodam por anos o desfecho de uma história. Dias atrás ouvi uma contraproposta para uma cliente, onde o marido acolhia o pedido de divórcio condicionando minha cliente a abrir mão do seu sobrenome. Mas a questão é: até onde carregar o sobrenome do homem com quem dividiu parte da vida, gerou filhos, é uma prerrogativa? Poderia o ex-marido condicionar o divórcio a essa condição? Que diferença fará para ele o fato de saber que no transcorrer da vida a mãe de seus filhos carregará seu sobrenome? Não seria para ele mais doloroso carregar a ex-mulher em sua memória? Nas frustrações do seu coração? Os filhos não serão sempre a prova de um amor maduro, mas que por relapso dos pais poderão se tornar frutos de um amor machucado? Qual a sensação gerada nos filhos quando identificar o sofrimento da mãe aliada a reivindicação do pai na exigência da retirada do seu sobrenome?

Pensando no todo, o legislador registrou no parágrafo segundo do art.1571 do Código Civil Brasileiro, prevendo, expressamente, a manutenção do nome de casado pelo cônjuge divorciado. Isso, por se tratar do direito da personalidade da própria pessoa. Portanto, em caso de divórcio quem escolhe se manterá o nome de casada ou de solteira é a própria pessoa. Aderir ao sobrenome do marido pela mulher é uma tradição entre nós. Na vigência do antigo código, 1916, o acréscimo era obrigatório para a mulher, posterior a 1962, tornou-se facultativo, mas, ainda prerrogativa exclusiva da mulher.

A partir do Código civil/2022, também o marido (e consequentemente por analogia) adquiriu o direito de agregar o sobrenome da mulher. Mas, por razões culturais, sabemos que a mulher adere muito mais ao sobrenome do esposo. Para Rodrigo da Cunha Pereira, mistura-se a identidade, como ato simbólico da difusão da alma. O autor alega ser um erro, constatando que misturar os nomes pode significar mesclar e confundir a identidade. Mas a legislação resguarda ao cônjuge a possibilidade de alterar o registro civil retornando ao nome de solteiro ou não, independente do motivo que conduziu a ruptura matrimonial. Podemos afirmar que o amor machucado, rompido, não rompe o direito à dignidade da pessoa humana, e nem mesmo da personalidade. É direito potestativo, ou seja, não está condicionado a nada.  Assim, afirmamos que essa identidade não se desvincula, e, portanto, nem sempre o divórcio é suficiente para romper tudo que atrela ao antigo relacionamento, pois ainda que um ciclo se fecha, é resguardado o direito de recomeçar um novo enredo da história na história, com a disponibilidade dos cônjuges optarem por carregar ou não sobrenome um do outro.   

 

Por Flavia Moreira. Advogada, pós-graduada em direito público, direito processual civil, pelo IDDE, em parceria com Universidade Coimbra de Portugal, ‘IUS GENTIUM CONIMBRIGGE, especialista em direito de família e sucessões, associada ao IBDFAM e membro do Direito de Família da OAB/MG.  

Instagram: @moreiraflaviadvogada

 

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