Modificação na imposição do regime de bens na terceira idade
Flávia Moreira
Iniciou na semana passada, o julgamento da imposição de regime de bens para os maiores de 70 anos de idade.
Precisamente na quarta-feira dia 18 de outubro de 2023 o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou a análise do tema. Na data indicada ocorreu sustentação oral das partes interessadas. Mas foi interrompida, suspenso julgamento pelo ministro Luís Roberto Barroso, sem data certa para retomar. O tema é complexo, mas precisamos ser flexíveis.
Quando você trata o casamento como um negócio, você trata a pessoa como uma mercadoria. Se você é mercadoria de valor, você não pode ser perdido. Quando você olha para o casamento como um negócio a ser celebrado você faz das pessoas como se elas fossem descartáveis. É importante ter alguma racionalidade para se envolver, afinal, ter filtros vão poupá-lo de inúmeras dores de cabeça ao longo da vida. Mas, superado os filtros para se relacionar, não dá para você se casar tão somente porque aquilo que é racionalmente adequado. É preciso que haja sentimento, amor.
Sabemos que durante muito tempo as pessoas não tinham voz, em especial a mulher.
Teve uma época em que era escrito um capítulo da vida sem que a pessoa participasse no mínimo da redação, e às vezes permitimos que isso ocorra até hoje. Lhe pergunto: “Quantos capítulos da sua vida foram escritos sem que você tivesse voz?”
Há pessoas que tiveram as profissões definidas pelos pais, eles não tiveram voz. Se casaram pela redação escrita pelos pais, por determinação deles. Quem redigiu o capítulo foram os pais.
A imprescindibilidade da sua voz para o capítulo da sua vida não tem que sair tudo como você quer, mas você tem que ser ouvido, você tem de ouvir a si mesmo no momento de trilhar um caminho ou escrever sua história. Do contrário, teremos a impressão de uma sujeição da existência, existimos, mas não existindo, os outros existem em nós.
Isso repercute em todas as esferas da vida. Isso gera as emoções que carregamos em nós. Exemplo são alguns lugares na vida que se tornam tão especiais para nós. No dia em que voltei à faculdade em que me formei para palestrar, foi impossível não me emocionar. Eu vi a escada da faculdade que eu corria nos intervalos, em algum momento eu grávida da minha terceira filha, quando pensava em desistir, então lembrei-me com muito afeto e gratidão da minha coordenadora e professora Rosirene que me confrontou e me impediu de trancar o curso, alegando que eu não voltaria se assim fizesse. Lembrei-me especialmente de uma colega de sala, a Mayra, a quem apelidei carinhosamente de May, nos tornamos confidentes e viajantes pelo mundo. Lembrei-me da inocência que eu achava que não tinha mais. Lembrei-me do cheiro do lanche, do professor esnobe que não dominava tão bem a matéria. Não me lembrei da turma toda, mas alguns que de alguma forma me marcaram naquela época. Lembrei-me do Vivalde, sempre solícito, hoje delegado na nossa comarca. Me dei conta de que pouquíssimos se engajaram na árdua e linda profissão da advocacia. Por um momento desejei voltar no tempo, para viver um dia naquele tempo, rebobinar a fita da vida e estar ali novamente sentada, e assistindo como quem assiste ao vivo o espetáculo da vida. Tudo que vivi no campo das emoções, neste caso não foi gerado por pessoas, mas através de um lugar. Percebe como alguns lugares marcam fortemente a nossa existência? Talvez no caso de muitos, não será na escola e nem na faculdade, talvez na casa dos avós. Isso tudo nos faz muito bem. Porque destrinchei sobre isso? Por que isso fala de escolhas, de destino, de vidas.
A verdade é que tem gente que é sábia, tem discernimento, a presença abre sua mente. Tem gente que tem a presença que alivia, presença de gente leve, a amizade que tranquiliza, acalma. Mas há pessoas que são pesadas, conselhos negativos, mal-humorados, donos da razão, nos irrita, amarga, desorienta. Que tipo de pessoa estaria ao lado do homem ou mulher que possui 70 anos ou mais e pode lhe orientar, sem sobressaltar as escolhas daquela pessoa que já caminhou pela estrada da vida e reconhece onde errou e onde não deve errar mais? Ressalto, elaboro todo esse aparato para falar do direito hoje levantado para possível modificação. Afinal, a idade não seria um aparato para a autonomia da vontade? Não estariam essas pessoas preparadas para optarem pelo regime de bens quando na terceira idade se deram o direito de viver um novo amor? Quantos se sentem invalidados, desrespeitados quando impossibilitados, mesmo estando hábeis para tomar decisões na vida privada? O número de idosos ansiosos e desgostosos tem aumentado decorrente da frieza das relações humanas, onde os filhos do egocentrismo retiram do outro a habilidade de ouvir e aceitar as escolhas de uma pessoa já na terceira idade. Qual equilíbrio legal pode nascer através da mudança em pauta, desde que protegido e os protegendo de si próprio, para a jurisdição abrir concessões em casos específicos? A verdade é que a possibilidade de incapacidade que está na mente de um senhor que dobrou a esquina de várias décadas lhe trará somente ansiedade e desgosto se tolhido seu direito lúcido de escolhas, lhe subtraindo o prazer da vitória que é a de estar vivo, realizando e celebrando. Lado outro, se a alteração de regime de bens valida a autonomia da vontade dessas pessoas, imagina a chuva de ações de interdição que haverá no Poder Judiciário? Estejamos atentos, há muito o que falar sobre a complexidade do tema.
Por Flavia Moreira. Advogada, pós-graduada em Direito Público, Direito processual Civil, pelo IDDE em parceria com Universidade Coimbra de Portugal, ‘IUS GENTIUM CONIMBRIGAE, especialista em Direito de Família e Sucessões, associada ao IBDFAM e membro do Direito de Família da OAB/MG.