Listagem é atualizada para distribuir casas abandonados no Copacabana

MPF identificou irregularidades e, há dois anos, determinou reintegração

 

Matheus Augusto

Uma situação que se arrasta por anos. Desde 2013, órgãos apuram a ocupação irregular dos imóveis do programa “Minha Casa, Minha Vida", em Divinópolis. A Prefeitura anunciou, na semana passada, a convocação de mais de 120 famílias para ocupação futura das casas no Jardim Copacabana. O objetivo é ver quem, 13 anos após o sorteio, ainda se enquadra nos critérios sociais.

Advogada voluntária dos ocupantes dos Residenciais Copacabana, Elizabeth Nogueira e Vila das Roseiras, Adriana Ferreira reforçou que nenhum morador será imediatamente despejado. 

— Despejar os ocupantes dos imóveis dos citados bairros é ilegal, conforme decisão do STF. Em relação à “chamada” dos suplentes pela Prefeitura Municipal, entendo necessária porque creio que a listagem está desatualizada, pois pode ser que muitos suplentes já não se enquadrem mais nos critérios — afirmou. 

Ela também ressaltou a importância de respeitar os direitos dos moradores.

— A reintegração de posse com desocupação dos imóveis por aqueles que represento deverá ocorrer observando o supradito, lembrando que as pessoas que ocupam os imóveis estão em situação de miserabilidade e todos estão inscritos no Cras [Centro de Referência de Assistência Social] para fins de benefícios sociais, incluindo o “Minha Casa, Minha Vida” — completou.

A liminar que suspendia os despejos, complementa a advogada, foi cassada em 31 de outubro do ano passado. A medida afetaria quase um milhão de pessoas e, com isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu criar um regime de transição. A regra obriga reuniões e a oitiva entre as partes antes da reintegração de posse, respeitando os direitos fundamentais. 

— Por isso foi determinado que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Federais instalassem comissões de conflitos fundiários que sirvam de apoio aos juízes. Essas comissões devem realizar inspeções judiciais e audiências de mediação antes de qualquer decisão de desocupação, com participação obrigatória do Ministério Público, Defensoria e de órgãos responsáveis pela política agrária e urbana  da União, Estados, Distrito Federal e Municípios onde se situa o litígio. Isso se aplica mesmo para casos em que exista decisão que determine o despejo — informou a profissional. 

Processo

O Agora também ouviu a vice-prefeita e secretária de Governo, Janete Aparecida (Avante). O objetivo do chamamento, explicou, é estabelecer quais suplentes da lista do sorteio realizado em 2010 ainda possuem direito à residência. 

— Essa lista de 126 pessoas não significa que eles ganharam a casa. Significa que elas ainda têm direito, preenchem o pré-requisito para estar na lista de suplência — afirmou. 

Com o chamamento, os suplentes deverão apresentar documentação para comprovar o cumprimento dos requisitos legais do “Minha Casa, Minha Vida”.

— Preenchendo todos os requisitos legais, permanece na suplência e, à medida que a Caixa for liberando, serão chamados — destacou.

Atualmente, entre duas a quatro casas estão disponíveis para ocupação. Conforme novas reintegrações forem promovidas pela Caixa Econômica Federal, os suplentes regularizados serão chamados.

— A medida que forem colocando a disposição, nossa lista já tem que estar atualizada, com a documentação correta, para fazermos esse trâmite o mais rápido possível.

A vice-prefeita ressalta que, na época, o bairro carecia de estrutura, razão pela qual diversos moradores optaram por não exercer seu direito de ocupar a residência ou abandonaram-a. 

— Hoje, o Copacabana é um bairro mais chamativo, uma escola desde o Cmei [Centro Municipal de Educação Infantil] até o 9° ano, posto de saúde, campo de futebol (...) Infelizmente, temos mais de 100 residências sem moradores, abandonadas e algumas até destruídas. (...) Muita gente, infelizmente, acabou não ficando pela falta de posto de saúde, escola e infraestrutura — acrescentou. 

Além disso, moradores que não se adequavam aos critérios do programa federal acabaram recebendo o imóveis ou mesmo deixaram de pagar as parcelas.

A ideia é, mediante articulação no governo federal, reverter os imóveis destruídos para o Município, que será responsável pela reforma e, consequentemente, ocupação pelos beneficiários. 

— E outras, que realmente precisavam, acabaram não tendo sido contempladas — lamentou Janete. 

Sobre o temor de despejo, a vice-prefeita tranquilizou a comunidade. 

— Ninguém será tirado de sua casa. 

Segundo ela, há um trâmite a ser seguido para reintegração de posse, incluindo com uma carta comunicando a ordem e o prazo para saída.

Quem ainda tiver dúvidas deve procurar a Secretaria de Assistência Social (Semas), ao lado do Parque da Ilha, na entrada do bairro Niterói.

Nova convocação

A Prefeitura convocou, na quinta-feira, 126 famílias suplentes do programa “Minha Casa, Minha Vida” referentes ao Conjunto Habitacional Jardim Copacabana. A ação, explicou a atual administração, segue o rito legal definido pelo governo federal para as reintegrações de posses dos imóveis financiados, conforme determinação judicial.

Além da decisão judicial, os imóveis em condições de habitabilidade tornam-se aptos para nova contratação, sendo o ente público responsável por encaminhar à Caixa às informações dos candidatos a beneficiários, de acordo com as condições de enquadramento e os critérios do programa “Minha Casa, Minha Vida”, Faixa I, neste caso, previstos na Portaria nº 163/16 — acrescentou.

A medida é válida para apenas as famílias que ainda se enquadram no perfil do programa federal e ainda não foram chamadas. 

— As famílias que já receberam a casa não precisam dirigir-se à secretaria. Apenas aqueles que ainda possuem o perfil do programa, que ficou como suplente e ainda não teve retorno — ressaltou. 

Questão antiga

O delegado da Polícia Federal, Daniel Fantini, concedeu coletiva em outubro de 2016 para falar sobre a investigação. Entre os relatos, casas desocupadas, cedidas a terceiros, alugadas, usadas apenas para lazer ou como depósito, além de vendidas ou com certidões desatualizadas ou com declarações falsas sobre a renda familiar. Conforme relatou a época, os beneficiários da faixa 1 deveriam ter renda familiar de até R$ 1,8 mil. No entanto, era possível encontrar profissões com renda média acima do previsto. 

A investigação começou em 2013. Na época, Fantini revelou que houve negligência dos órgãos responsáveis — Caixa Econômica e Prefeitura de Divinópolis — pelo cadastro e distribuição das casas e na fiscalização da prestação de informações dos proprietários dos imóveis.

Em vistoria anual, a Prefeitura já havia identificado, em 2017, 91 irregularidades no Copacabana. O relatório, informou à época, é enviado à Caixa Econômica Federal e ao Ministério Público Federal. 

A formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) chegou a ser cogitada na Câmara em 2018, mas não foi para frente e o Legislativo focou na CPI dos Áudios. Nesse mesmo ano, a Caixa deu início à reintegração de posse das casas em situação irregular, mediante ações na Justiça Federal. Um aviso foi afixado nas portas das casas. 

O Ministério Público Federal denunciou, no início de 2019, 16 pessoas por falsidade ideológica por inserirem informações falsas sobre renda e composição familiar no Cadastro Único (CadÚnico) para ter acesso ao “Minha Casa, Minha Vida”. 

— Todos receberam imóveis no empreendimento Residencial Jardim Copacabana, localizado no bairro Belvedere II. O empreendimento, que beneficiou 498 famílias, foi entregue em dezembro de 2012 — aponta reportagem do Agora na época. 

Para o MPF, os acusados, “agiram com consciência e vontade, firmaram declarações falsas em documento público perante a Administração Pública Federal, a fim de se verem inseridas fraudulentamente no programa, recebendo, para tanto, unidade habitacional destinada a pessoas de baixíssima renda, incorrendo na prática do delito de falsidade ideológica”.

— A investigação também constatou que os imóveis foram entregues sem a exigência de apresentação de documentação comprobatória de renda dos acusados, tanto a Caixa Econômica Federal (CEF) quanto a Prefeitura, responsáveis pelo programa. Apenas foram consultadas as bases de dados do FGTS e RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) para confirmação das informações. Assim, vários imóveis foram entregues a pessoas que não preenchiam os requisitos básicos do Programa — destaca.

Novo avanço veio quando o MPF ajuizou ação, em setembro de 2021, para a Caixa retomar os imóveis ocupados irregularmente. De acordo com o levantamento, 111 imóveis no Jardim Copacabana, 70 no Elizabeth Nogueira e 58 na Vila das Roseiras encontravam-se nessa situação. 

— Entre as irregularidades foram detectadas casas desocupadas, alugadas ou vendidas, casas com moradores diversos dos beneficiários originais e até imóveis demolidos. (...) O MPF lembra que a venda/locação/cessão de imóveis do “Minha Casa Minha Vida”, antes da plena quitação do financiamento, caracteriza transferência irregular, passível de nulidade, conforme a Lei Nº 11.977/2009.

O órgão acompanha a situação desde 2013, quando instaurou um inquérito a partir de representação apresentada pela Câmara de Divinópolis. Em 2019, o mesmo foi arquivado, na expectativa de que o problema diminuísse com o reforço na fiscalização pela Caixa. Segundo o MPF, porém, o problema continuou a se agravar.

— A morosidade na adoção de providências para reaver os imóveis ocupados irregularmente prejudica as famílias que hoje ainda resistem habitando os residenciais, enfrentando invasões por criminosos, e impede que outras famílias sejam beneficiadas com os imóveis que deveriam ter sido recuperados e ainda lesa, evidentemente, os cofres públicos, que custearam um programa que não atende a sua finalidade principal, de proporcionar moradia digna à população de baixa renda — defendeu, à época, o procurador da República, Lauro Coelho Junior, autor da ação.

 

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