Legiões e plágios

CREPÚSCULO DA LEI – Ano V – CCLIV

 

Domingos Calixto

Tem-se por entendido que a palavra “plágio” vem do grego plágios, dando compreensão à ideia de “trapaça”.  Assim, tomando-se tal origem envolta por uma série deformidades perpetradas pelo baixo latim, a palavra plágio passa a conferir-se e designar-se como trapaça delituosa da subtração de escravos de terceiros, ou seja, o “plagium” era considerado o furto de escravos.

Sob esse aspecto, quem praticava “plagium” fazia por apresentar – e vender – escravos de terceiros como se fossem seus, algo bem próximo do estelionato. 

Neste sentido, considerando-se que o escravo não era concebido como pessoa, mas como coisa, compreendia-se que o autor do crime estava, na realidade, vendendo fraudulentamente não seres humanos, mas uma “força de trabalho” que não lhe pertencia (...).

Sem embargos, é esta a ideia atual de “plagio”, ou seja, o furto do trabalho de terceiros, bem entendido nesta trapaça como apropriação do trabalho autoral intelectual, seja na literatura, nas artes ou na ciência. Assim, plagiar é um tipo de trapaça onde se subtrai uma ideia- trabalho - de alguém e se obtém alguma vantagem ou valor com isso.

O plágio é, portanto, uma corrupção intelectual.

Interessantemente, quando se fala em “corrupção” neste país (qual?) imediatamente vem à tona um “verdadeiro” hino contra a corrupção, gravado em 1987 por uma banda de Brasília muito famosa, cuja música tem como título “Que País é Este”.

Trata-se de u’a música por demais conhecida, com uma letra poderosa falando coisas como “nas favelas, no Senado, sujeira pra todo lado, ninguém respeita a Constituição...” (...)

Ocorre que, por efetividade da corrupção que a música alega combater, ela mesma sofre críticas decorrentes de um “plagium”.

No caso, a ideia subtraída veio de outra banda muitíssimo famosa chamada “Ramones”, formada em 1974 e extinta em 1996. Os Ramones são considerados os “pais” da música “punk”, correspondente ao movimento com o mesmo nome.

A música, tomada como plágio pela banda famosa de Brasília, seria “I Don’t Care”, de 1977 que, por ironia, tem o significado de “eu não me importo”.

Parece que o vocalista da banda de Brasília realmente não se importava mesmo, pois também copiou o estilo de cantar e dançar  de outros cantores, diga-se Ian Curtis (banda “Joy Division”) e Michael Stipe (banda “R.E.M.”).

Tem-se, assim, um paradoxo. 

A música tomada como “hino contra a corrupção” seria, igualmente, alvo de corrupção autoral artística e o paradoxo é exatamente este: Teria um “hino à corrupção” que ser u’a música genuína e legitimamente composta para tal, ou, a essência do hino (?) exigiria exatamente que ela viesse de um plágio? E ainda, se era exigível que ela viesse de um plágio, então teria sido uma boa e genuína ideia?

Durma-se com um barulho destes. Ou melhor, com u’a música destas.



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