Lázaro está morto?

RODRIGO DIAS

Lázaro está morto?

Somos desumanos à medida que tratamos o outro como objeto. Retirar a humanidade de alguém é renegar a essa pessoa a possibilidade de existir por ela, suas vontades e necessidades, que são inerentes à condição humana.

Os desumanos atentam contra a vida. Sonegam direitos. Pessoas assim não compadecem com a dor do outro; ao contrário, há até aqueles que se divertem ‒ um rito macabro em fazer o outro sofrer de alguma forma.

O assassino Lázaro, abatido em Goiás, é apenas um dos extremos de onde pode chegar a nossa desumanidade. A cara amarrada, o olhar duro e frio que acostumamos ver dele nos noticiários intimida. A maioria pode até julgar que a imagem que nos foi apresentada é o típico perfil de um assassino.

Mas o mal tem rosto? Penso que não. O mal tem jeito de agir. Às vezes explícito, como foi o Lázaro. Noutras, age à surdina, sem alarde, e há também o mal travestido de bem.

Um punhado bom de gente comemorou a morte do “mal”, mas o mal maior ainda está de pé e assombra. Faz vítimas. A esse, a caçada é mais moderada e a gente até se acostuma com a presença do algoz.

Desumanos enxergam gente como “animais”. Veem números, em vez de corações, e acreditam que, para a conta fechar, haverá sempre os descartáveis. Gente que não é nada. E, por não fazer falta, pode-se abrir mão delas.

Os desumanos criam seus códigos para justificar seus atos e, assim, dormir de consciência tranquila. Foi assim com o Holocausto. Em que um povo se julgava superior a outros e isso por si só justificava a aniquilação de milhões.

Hoje, talvez a proporção não se repita, mas a regra sim. Desumanos são egoístas e intolerantes e dentro do seu universo, vão sempre subjugar o outro. Afinal, é da sua natureza agir assim.

Ser diferente num mundo cada vez mais desumano é um risco. A intolerância, o preconceito, o racismo, o patriarcado e a ignorância permeiam nossos arredores e oprimem. Literalmente tiram o ar, asfixiam.

Desumanos não vivem só no subsolo. Eles estão à espreita. Se incorporam à paisagem cotidiana. Usam túnicas, gravatas, uniformes. Pastoreiam e lideram pessoas. Eles se adaptam e no menor cochilo, agem.

Num momento tão desafiador como o atual, atentados contra a humanidade acontecem e são relativizados. Além de contribuir para que mais vidas sejam ceifadas, desumanos sangram o país com a tal corrupção. Não se compadecem com a dor do outro, só com o que falta no próprio bolso.

Lázaro está morto, a desumanidade não. Ela anda por aí, viceja em cada bala perdida, na barriga que passa fome, no gay espancado, na criança estuprada, no negro que esmola, no pai que não consegue emprego e no político corrupto que ri do nosso desespero.

Viceja na estupidez de quem crê no circo das ilusões, em prisões sem paredes feitas para entreter. Enquanto o mal continua solto. Ora blasfemando, ora subjugando.

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