Jornalista agredido em reportagem na MG-050 revela detalhes do ataque

Profissionais foram ameaçados durante cobertura das manifestações; vereadores e entidades repudiam ocorrido

 

Bruno Bueno

Jornal Agora e outros meios de comunicação de Divinópolis se uniram para repudiar o ataque sofrido por jornalistas da TV Candidés nesta semana. O repórter Victor de Castro e o cinegrafista Wesley Mourão foram ameaçados e agredidos por manifestantes pró-Bolsonaro na MG-050, km 97, na última segunda-feira. Até o momento, dois   homens foram identificados. Uma dele, estava com um guarda-chuva na mão.

O crime é mais um dos vários ocorridos contra a imprensa nos últimos anos. Não é a primeira vez que veículos da cidade são ameaçados no exercício da função. Os ataques são recorrentes e acontecem de várias formas. Ao Agora, Victor falou pela primeira vez a um veículo de imprensa sobre o ocorrido. Ele deu detalhes sobre o ataque e revelou novidades sobre o caso.

Entenda

Após a derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas urnas no último domingo, apoiadores fecharam rodovias pelo país em protesto pelo resultado. Em Divinópolis, os bolsonaristas bloquearam um trecho da MG-050, no km 97, próximo ao bairro Quintino.

Victor de Castro e Wesley Mourão foram cobrir a manifestação para a TV Candidés, emissora do Sistema MPA de Comunicação. 

— A gente chegou por volta de 08h30. Conversamos com as lideranças do movimento, inclusive com o Sargento Elton. Colocamos na matéria. Fizemos umas imagens e, na hora de ir embora, uma mulher começou a gritar. Ela nos contou que tinha feito uma cirurgia, estava em jejum e que precisava ir para casa — contou o Victor de Castro.

Segundo o repórter, as ameaças começaram a partir deste momento.

— Os manifestantes vieram e nos pediram para desligar a câmera. Xingaram, empurraram e fizeram tudo que está no vídeo. Um senhor chegou gritando e mandou a gente ir embora. Disse que éramos só dois e perguntou se a gente queria morrer. Não reagimos e controlamos a situação — relata.

Novidades

O jornalista também revela detalhes que não foram captados nas câmeras.

— Nós entramos no carro para ir embora. Eles tentaram pegar a câmera e não deixaram a gente ir. Entraram no nosso carro à força e falaram para o pessoal liberar a passagem. Eles foram com a gente para garantir que não iríamos gravar. Quando fizemos o contorno da MG-050, eles desceram —  afirma.

Victor conta que nunca havia passado por uma situação semelhante.

— Dessa gravidade foi a primeira vez. É uma situação complicada. A gente estava lá para exercer nosso trabalho, ouvir o lado deles, mostrar o que estava acontecendo e dar voz a quem precisa. A gente foi com esse intuito. Nossa sorte foi porque a gente estava indo embora. Se tivesse acontecido no olho do furacão, ninguém sabe o que poderia ter acontecido  — ressalta.

Câmara

Roger Viegas (Republicanos) falou sobre os ataques durante a reunião de ontem da Câmara.

— Eu, como jornalista e membro da imprensa, repúdio às agressões. Todas as manifestações são democráticas e legítimas, até mesmo aquelas que eu não sou favorável, contudo isso jamais justifica ferir o direito da imprensa. Eu fiquei muito chateado. Houve, sim, agressão, empurrões. Está totalmente errado. Hostilizados por simplesmente estarem ali, fazendo seu trabalho, para dar voz a eles mesmos. Isso que não dá para entender — pontua.

Líder do governo na Câmara, Edsom Sousa (Cidadania) definiu o ataque como “ato covarde”.

— Quero ser solidário juntamente com o discurso do Roger. O dia que a gente tentar calar a imprensa, com toda certeza será um retrocesso. Na eleição você ganha e perde. Aqueles que ganharam têm responsabilidade de ser governo e outro lado de ser oposição responsável — declara.

OAB

A presidente da 48ª Subseção da OAB Divinópolis, Ellen Lima, repudiou os ataques e deu sua opinião sobre o caso.

— (...) Houve um exagero. Quando você está no seu direito, mas impede e expulsa, pode ser que esteja decorrendo outras questões. Se houve empurrão, agressão, ameaça ou constrangimento, é crime. (...) Impedir o direito do profissional de cobrir uma manifestação também — pontua.

Ellen também falou sobre a polarização política que é recorrente no país.

— Estamos deixando de entender o respeito que temos que ter. Dentro dessas questões estão cometendo abusos, discriminações, constrangimentos e xingamentos desnecessários. Se você pensa diferente de mim não quer dizer que eu concorde, mas temos que respeitar — afirma.

Amirt

A Associação Mineira de Rádio e Televisão (Amirt) também emitiu uma nota de repúdio sobre o ocorrido. A instituição se solidarizou com os profissionais.

— Independente das divergências de opiniões, a entidade também enfatiza que é inadmissível que a imprensa seja impedida de realizar o seu trabalho de levar informações de interesse público para a sociedade — consta parte da nota.

A entidade também citou a declaração de Chapultepec, de 1994. A carta de princípios afirma que a imprensa livre é uma condição fundamental para que as sociedades resolvam os seus conflitos.

— Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício dessa não é uma concessão das autoridades, mas, sim, um direito inalienável do povo. Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar esses direitos — finaliza.

A nota foi assinada pelo presidente da Amirt, Luciano Pimenta Corrêa Peres.

Abraji

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) condenou os ataques a jornalistas em todo o país.

— É inaceitável o que está acontecendo. Profissionais que estão trabalhando, exercendo o dever de informar à população, estão sendo agredidos. Quando o jornalismo é cerceado, toda a sociedade perde — comentou a presidente Katia Brembatti. 

A entidade também opinou que as ações são um reflexo da escalada de violência contra jornalistas que tem sido estimulada nos últimos tempos.

— A Abraji exige que as autoridades públicas e agentes de segurança tomem ações urgentes para garantir condições seguras para o exercício do jornalismo, especialmente no contexto de tais manifestações e bloqueios antidemocráticos, identificando, investigando e tomando as medidas cabíveis contra os responsáveis — pontuou a entidade em nota.

Meios de comunicação

Diversos veículos de comunicação de Divinópolis também se posicionaram sobre os ataques. O presidente do Sistema MPA de Comunicação, Mayrinck Júnior, emitiu uma nota sobre o tema.

— É inadmissível que ocorra, no século 21, esta agressão sofrida pela equipe da TV Candidés por estes dois elementos. Como diretor do Sistema MPA, orientei o registro de um Boletim de ocorrência na Polícia Militar e a abertura de um processo de ameaça e agressão contra os dois elementos já identificados. Foram filmados e, quando o vídeo foi publicado, recebemos inúmeras mensagens identificando os dois — consta um trecho da nota.

O Jornal Agora também emitiu uma nota de repúdio no dia do ocorrido. O texto é assinado pela editora-chefe, Gisele Souto, e pela diretora, Janiene Faria.

— O Agora se solidariza com os profissionais e ressalta que o jornalismo profissional é necessário e imprescindível para a atuação em qualquer regime democrático. É urgente e necessário que providências para que se dê um basta nestes ataques sejam tomadas e as instituições responsáveis punam os culpados. Essa bandeira precisa ser empunhada por todos. Não dá mais para tolerar este cercear no exercer da profissão em um país que se diz democrático — consta a nota.

Divinews, Portal G37, Portal Gerais, G1, TV Alterosa e outros veículos de imprensa também comentaram o ocorrido por meio de suas redes sociais.

Outros ataques

O episódio é mais um entre os vários ocorridos em todo o país. Em Limeira, no interior de São Paulo, um fotógrafo freelancer e um repórter da Rádio Educadora foram expulsos à base de empurrões e xingamentos durante a cobertura dos bloqueios na cidade. Na região Sul do país, profissionais de Paranaguá/PR foram alvo de hostilização por parte dos manifestantes que tentaram impedir o trabalho de duas equipes de reportagem da TVCI.

Os três casos ocorreram na terça-feira. Anteontem, quatro equipes de reportagem da Band relataram que foram atacadas em São Paulo, Recife e Porto Alegre. Vídeos de uma agressão física violenta contra um suposto cinegrafista em Araxá, Alto Paranaíba em Minas, viralizaram nas redes sociais. Em Porto Alegre, há informações de que equipes do SBT e da Record foram hostilizadas. 

Um profissional da Jovem Pan, que trajava uma camiseta vermelha, uniforme da emissora, teria sido expulso de uma manifestação. Também há relatos de ataques em Marechal Cândido Rondon (PR) e Corbélia (PR).

Ameaças no Twitter

O departamento jurídico da Rede Amazônica, afiliada da Rede Globo, fez um boletim de ocorrência na Polícia Civil para investigar a postagem no Twitter com ameaça aos seus profissionais. A mensagem incita à agressão física aos repórteres que estiverem na cobertura das manifestações antidemocráticas. 

A denúncia sobre as ameaças chegou ao conhecimento do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Amazonas e da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). A presidente da entidade, Samira de Castro, disse que é necessário investigar os ataques.

— Temos observado, ao longo dos últimos quatro anos, um crescimento exorbitante desse tipo de violação à liberdade de imprensa. Esses ataques, que já extrapolam o ambiente online, são incentivados por quem deveria resguardar o direito que a sociedade tem de ser informada: o presidente da República e candidato derrotado à reeleição, Jair Bolsonaro (PL) — afirmou a Fenaj por meio da representante.

 

 

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