Infidelidade conjugal e dano moral

“O tempo é um químico, que dissolve, compõe, extrai e transforma todas as substâncias morais.” (Machado de Assis).

Flávia Moreira

O que são as substâncias morais sem um caráter forjado? O que é um caráter forjado quando alinhado a preceitos humanos sem basear em princípios? O que são princípios sem respaldo comportamental e espiritual? A palavra precisa ser respaldada pelo comportamento. É necessário haver coerência entre o que é dito e feito.  

Não são poucos os casos que chegam até o escritório onde o jogo da culpa pelo fracasso do matrimônio está sempre atrelado ao que o outro fez. Dificilmente ambas partes reconhecem seus erros, suas fraquezas e até mesmo traições. Na maioria das vezes é necessário que um escândalo venha à tona para que a gota d’água transborde, evidenciando o muito do que ali foi sobreposto. Não me surpreende quando a parte que mais contribui economicamente se sente ainda mais lesado e indignado frente à frustração de uma relação rompida, coroada por uma traição. Mas o que é considerado traição ao seio da sociedade? A partir de quando o traído pode ser ressarcido monetariamente em razão dos danos morais sofridos? Porventura a culpa em razão da infidelidade exclui o direito do cônjuge na partilha do patrimônio adquirido na constância dos laços matrimoniais? Embora o inciso I, do artigo 1566 do Código Civil Brasileiro determine que a fidelidade conjugal é um dos requisitos pré-estabelecidos por lei, o adultério deixou de ser tipificado como crime.  A partilha do patrimônio não está condicionada à fidelidade, e sim ao regime de bens adotado. O professor Clóvis Beviláquia, grande jurista, magistrado, jornalista, e histórico crítico, ensinava que fidelidade é o primeiro e o mais importante dos deveres recíprocos entre os cônjuges, sendo a expressão natural da monogamia e não constitui simplesmente um dever moral. Afinal, o direito exige tal dever em nome dos interesses da sociedade. 

Se o regime de bens, que condiciona a partilha do acervo patrimonial, porque as pessoas insistem em trazer para dentro da ação de divórcio os motivos que determinaram a ruptura do casamento? Simples, quando chega ao fim, a sobra são as dores das feridas que estão latentes, e o anseio de expor a culpa moral da outra parte, na tentativa de induzir o judiciário elaborar juízo de valor acerca daquela conduta. Contudo, a parte que se sente vítima, munida de ódio, repúdio e vingança, se expõem de forma vexatória, contradizendo o que alega ser vítima, senão alimentando ainda mais essa cadeia desenfreada de perdas e danos mútuos. Então você me questiona pontualmente, não existem reparos diante de uma possível traição? 

Sim, e o dever de indenizar nasce da exposição do cônjuge traído a situação humilhante que ofenda sua honra, imagem ou integridade física ou psíquica, ensejando indenização por dano moral, portanto, não nasce de ataques e ou exposições do infiel em uma ação de divórcio. A traição é passível de indenização, desde que preenchido os requisitos indicados e comprovados os efeitos gerados. Do contrário, se torna mera exposição, criando desconforto e gerando ainda mais mágoas entre as partes.  

Defendo que o amor não deve ser tratado como distração, discurso ou sentimentalismo. Ele é uma escolha e deve ser sustentada através do comportamento de honra. Para tanto, inclui as partes se fazerem presentes desde o café da manhã, até o abraço noturno, lugar este que deve desfalecer os problemas cotidianos. Se ambos permanecerem, evitarão o naufrágio e os desgastes que rompem a saúde mental, moral e física.  Mas se por imaturidade, por relapso da vida não for possível manter a aliança, que haja prudência, e respeito à história que marcará uma geração. A meu ver, embora passível de uma indenização pecuniária, essa jamais abrangerá os lastros causados por uma traição. 

 

 

 

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