Há 200 anos

Augusto Fidelis

 

Acabo de ler um livro sob o título “Projetos para o Brasil”, de José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência, que reúne o pensamento dele sobre diversos assuntos de interesse da nação, já naquela época manchada pela corrupção e interesses mesquinhos. Na primeira parte, em discurso perante a Assembleia Constituinte de 1823, isto há 200 anos, o Patriarca propunha trocar o tráfico negreiro por imigrantes europeus, como fizera os Estados Unidos. Ao apresentar a sua proposta, disse José Bonifácio: “Nela me proponho a mostrar a necessidade de abolir o tráfico da escravatura, de melhorar a sorte dos atuais cativos e de promover a sua progressiva emancipação.”

O interessante é que esse discurso, proferido há 194 anos, parece atualíssimo em muitos trechos. Ao falar dos juízes, disse ele: “Os nossos magistrados (...), pela maior parte, venais, que só empunham a vara da Justiça para oprimir desgraçados, que não podem satisfazer à sua cobiça, ou melhorar a sua sorte.”  Nesse caso, parece que nada mudou, porque se algum rico vai para a cadeia, isso é provisório, sempre há um juiz disposto a conceder um habeas corpus, mas os pobres...

“O luxo e a corrupção nasceram entre nós antes da civilização e da indústria; e qual será a causa principal de um fenômeno tão espantoso? A escravidão, senhores, a escravidão, porque o homem, que conta com os jornais de seus escravos, vive na indolência, e a indolência traz todos os vícios após si.”  Atualmente, são vários  os casos de senhores modernos que vivem no luxo às custas da sonegação de impostos e do não recolhimento dos encargos trabalhistas.

“É de se espantar, pois um tráfico tão contrário às leis da moral humana e às santas máximas do evangelho, e até contrário às leis de uma sã política, dure há tantos séculos entre os homens que se dizem civilizados e cristãos! Mentem, nunca o foram.” Embora cessado em 1850 o tráfico de escravos africanos, os brasileiros passaram a ser escravizados pela corrupção e mentiras dos seus governantes, pelas drogas que corroem o seio da sociedade e tantas outras mazelas provocadas pela falta de escrúpulos dos que detêm o poder politico e econômico. Naquela ocasião, enfatizou José Bonifácio: “Acabe-se, pois, de uma vez o infante tráfico da escravatura africana; mas com isso não está tudo feito: é também preciso cuidar seriamente em melhorar a sorte dos escravos existentes, e tais cuidados são já um passo dado para sua futura emancipação.” Infelizmente, os constituintes daquela época não deram ouvidos ao Patriarca.

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