Fogo

João Carlos Ramos

Gaston Bachelard (Bar-Sur-Aube, 27/06/1884 - Paris, 16/10/1962) se destacou, acentuadamente, por inaugurar  uma avenida  filosófica que cruza com a poesia.

Toda sua obra é imortal e está infinitamente acima de toda mediocridade literária que possa haver. No livro “A psicanálise do fogo”, ele diz: "Vamos estudar um problema em que a atitude objetiva jamais pôde se realizar, em que a sedução primeira é tão definitiva que deforma inclusive os espíritos mais retos e os conduz sempre ao aprisco poético, onde os devaneios substituem o pensamento, onde os poemas ocultam os teoremas. É o problema psicológico colocado por nossas convicções sobre o fogo... Não hesitamos em falar de uma psicanálise do fogo" (lembremos que ele havia presenciado os conflitos das duas grandes guerras mundiais).  Assim sendo, em pleno período pandêmico, ousamos falar, embora poucos há que possam ter a bem-aventurança de ouvir.

É mister que a mensagem do fogo interno seja ouvida. A filosofia significa, literalmente, amor à sabedoria. Obviamente é um fogo particular que não aquece e nem ilumina, porque ainda não atingiu o ápice da pirâmide ígnea. Filósofos navegam apenas. Para eles existem tão-somente os mares, e os portos são frutos da fragilidade humana, onde todos param para nada.

A sublimidade da poesia completa a construção e inaugura a obra, sem fogos de artifícios e discursos da ventania. Não afundamos em nós mesmos como requer a mensagem da água, também indispensável. Também não firmamos o intelecto na terra, material inerente ao que é tangível e altamente necessário.

Por outro lado, queimamos até as raízes originárias dos vícios de palavras que geram atitudes insanas. O fogo é, sobretudo, juiz e rei por excelência. Ainda bem que somos reinados e devemos olhar para e ver o sol de nossas manhãs. Há uma busca incessante de respostas acerca da dor, principalmente daquela mais lancinante que é a solidão. O fogo vem para consolar e ninguém jamais poderá vê-lo e muito menos tocá-lo. Aguardamos em nossos poucos dias de vida a chegada do trem, onde o próprio trem aguarda nossa chegada em nós mesmos (permita-me fisgar o peixe de vários pensamentos alheios, que não entendem onde começa a loucura da palavra e a sabedoria do silêncio). Sidarta voltou ao ponto de partida e começou a ser feliz. Coloquemos nossa cadeira onde o sol aponta o caminho da região onde (talvez em vão) haja o pão que não precisa matar a fome. Deus ilumine a todos!

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