Filhos socioafetivos

Flavia Moreira

Inicio este texto afirmando que “a melhor honra é aquela que atende a necessidade de alguém”. As palavras podem ser esquecidas, mas a honra não. Razão esta que o filho não esquece do pai quando este o abandona. Ele lembra do pai em virtude da honra enquanto esteve presente. O direito contemporâneo das famílias veio legalizando o que por décadas foi dispersado quanto aos deveres e às obrigações dos pais socioafetivos. 

Mas o que são e quem são esses pais? Nada mais é do que o reconhecimento jurídico baseado no afeto, no amor e na responsabilidade contraída ao longo dos anos, sem que haja vínculo de sangue entre as pessoas. No linguajar popular, é quando homem e/ou mulher cria e educa um filho como se seu fosse, mesmo não sendo biologicamente. Podemos afirmar que decorre da escolha de amar e cuidar daquele que seu coração escolheu, ainda que, em alguns casos, esses pais tenham sido dispersos e negligentes com os filhos biológicos. Mesmo que não tenham se atentado ao que causarão nos filhos biológicos ao deixar de fornecer a eles a sua essência e presença diária, bem como a proteção e a direção do destino, mas ofertando tudo isso a um terceiro escolhido por ele. 

Sim, existe uma beleza transcendental na paternidade e maternidade socioafetiva, mas não podemos deixar de ressaltar que essa só existe se há coerência e é acompanhada da responsabilidade do que foi entregue aos filhos que foram gerados por esses pais. Por que abordo o assunto da paternidade socioafetiva confrontando a paternidade biológica? Para rememorar que muitos se engajaram em novas situações, refazendo a vida a dois, mas deixaram uma lacuna, um débito no exercício da paternidade biológica. 

Posterior a essa reflexão, é importante se atentar em como se dá o reconhecimento formal da filiação socioafetiva no âmbito judicial. A típica relação deve ser pública, contínua, duradoura e consolidada. Com a decisão judicial que reconhece o vínculo de filiação, é possível que a Justiça determine que seja alterado o registro civil do filho, com a inclusão do nome do pai/mãe socioafetivo, bem como dos avós. O interessante é que esse reconhecimento pode ser buscado a qualquer tempo, até mesmo após a morte dos pais. Para isso, o juiz observará as provas que evidenciem o tipo de relação existente. Não, não é qualquer relação entre padrasto/madrasta que demonstra uma relação socioafetiva estabelecida, pois um homem ou uma mulher pode e deve manter  uma relação saudável com o enteado(a) e esse vínculo não necessariamente se caracteriza como paternidade ou maternidade socioafetiva. 

Importa alertar que o reconhecimento desse parentesco gera os mesmos efeitos patrimoniais e pessoais do parente biológico, tanto para os pais quanto para os filhos. Assim, é assegurado o direito do filho de receber pensão alimentícia, a convivência familiar, herança, entre outros. E, aos pais, questões como direito de visita e guarda. A verdade é que, para a legislação, não existe distinção entre filho biológico e filho socioafetivo. Portanto, a recomposição familiar não pode ser alicerçada somente sobre as emoções e decisões imediatas, ela abrange um leque em que a alma, o espírito e as responsabilidades materiais se misturam, gerando obrigações e direitos que, uma vez adquiridos, não podem ser mais descartados. Requer responsabilidade e lucidez, pois grandioso é se tornar o homem e a mulher mais importante na vida de um filho, seja ele gerado biologicamente ou pelas entranhas da alma e do coração. 

 

Por Flavia Moreira. Advogada, pós-graduada em direito público, direito processual civil, pelo IDDE, em parceria com Universidade Coimbra de Portugal, ‘IUS GENTIUM CONIMBRIGGE, especialista em direito de família e sucessões, associada ao IBDFAM e membro do Direito de Família da OAB/MG.  

Instagram: @moreiraflaviadvogada

 

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