Editorial: Para todos?

Os dados das redações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) escancaram, para além das notas, a triste e cruel realidade do Brasil. Ao todo, 60 redações tiveram nota mil, e apenas quatro eram de alunos da rede pública. O cenário contrapõe o velho ditado “o Sol nasceu para todos”. Definitivamente, não. O diagnóstico expõe a falta de acesso à Educação de qualidade e, claro, de políticas públicas que garantam isso. A prova disso é que bastou as notas serem divulgadas para começar as notícias já conhecidas: “Estudante nota máxima em matemática no Enem 2023 fez ensino fundamental viajando 50 km por dia”. Obviamente, a matéria veio acompanhada dos comentários romantizando tudo isso, como “guerreira” e “essa vai longe”. 

A verdade é que nenhum estudante deveria passar por essa luta diária para ter acesso ao básico. O oposto que essa jovem enfrentou para ter este resultado está justamente naqueles que dispõe não só de um ensino de qualidade em uma rede privada, mas de condições financeiras para seguir esta jornada de estudos após a escola. Não tem como ver os resultados e não refletir, pois além de acesso à Educação e distribuição de renda, tudo isso vai de encontro também à violência, ao desenvolvimento econômico e social. Isso pode ser comprovado com o último Relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que mostrou que o Brasil investe só um terço do que os países ricos destinam para a educação básica. Em outras palavras, para os mais desatentos, não é possível pedir mais segurança pública, crescimento econômico ou sequer sonhar que o Brasil se torne um país de primeiro mundo um dia, se o básico, o trivial não é discutido. 

Por aqui tudo isso fica no raso, no imediatismo, no discurso de lacração de Internet, no mundo da ilusão. A verdade é que o Sol não nasceu para todos e até que os brasileiros tomem consciência disso e consigam elevar o nível da discussão pouco se avançará. Até que os brasileiros voltem o olhar para o que de fato importa, tudo ficará no mesmo ciclo vicioso. E, ao contrário do que muitos imaginam, interessa a muita gente que tudo permaneça exatamente como está. Afinal, a sociedade do espetáculo, do fala muito e faz pouco, da política do pão e circo interessa a muita gente. O pior é chegar ao final destas linhas e constatar que são os próprios brasileiros os financiadores deste grande teatro que não traz nenhum fruto. Para quem o sol infelizmente não nasceu o desejo é que a persistência nunca lhe falte, pois às vezes o destino é generoso. Já a política, não! Dessa, não se pode esperar muita coisa. Do destino, quem sabe?

 

Comentários