Editorial: liquidificador humano

Da Redação

Pouco mais de um minuto. Esse foi o tempo que os rejeitos da barragem B1, da mineradora Vale, em Brumadinho, demoraram para chegar ao refeitório da empresa, no fatídico 25 de janeiro de 2019. A barragem rompeu às 12h28, horário de almoço. Era lá que se encontrava a maioria dos funcionários. Ontem, a tragédia completou quatro anos. Já são 1.462 dias de buscas, na que se tornou a operação mais longa da história do país. Até o momento foram localizados os restos mortais de 267 pessoas atingidas pela avalanche de rejeitos de minério de ferro. Três pessoas seguem desaparecidas. A vida foi tomada de forma abrupta. O silêncio tomou conta do local onde antes era tomado por conversas, sorrisos. Os passos que seriam ouvidos depois daquele minuto seriam apenas dos bombeiros militares buscando corpos na lama. 

Homens, mulheres,, pais, mães, filhas, filhos, irmãs, irmãos e amigos viraram dados. Já são pouco mais de 35.064 horas, 1.461 dias e 208 semanas de impunidade. Técnicos e pesquisadores usaram o termo “liquidificador” para classificar o movimento da lama que vazou da barragem. Quatro anos depois, um levantamento inédito realizado a partir de marcações de GPS feitas pelo Corpo de Bombeiros de Minas Gerais mostra que as vítimas da tragédia estavam literalmente dentro de um liquidificador. Os militares chegaram a encontrar 23 partes de uma mesma pessoa no decorrer da operação. O que mais impressiona é o principal fator que causou a tragédia.  A ganância. O grande volume de rejeito e a velocidade com que atingiram as vítimas formou o liquidificador. A barragem guardava mais de 10 milhões de metros cúbicos de rejeitos, que são uma espécie de lama formada por minerais sem valor econômico, depositados por mineradoras em barragens. Em outras palavras, é apenas uma maneira barata de descartar aquilo com o que não se pode lucrar, na impossibilidade legal de jogar o material na natureza. 

Somente nesta segunda-feira, dois dias antes de a tragédia completar quatro anos, foi anunciado que a Justiça Federal aceitou a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF) contra 16 pessoas e as empresas Vale e Tüv Süd. Foi preciso que a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, determinasse analisar o caso, já que os crimes ambientais poderiam prescrever ontem, dia em que a tragédia completou quatro anos. Sim! Uma catástrofe a olhos nus aconteceu diante da humanidade, e foi necessário pedir agilidade na análise do caso para que ele não prescrevesse. É dolorido. É revoltante. Um liquidificador humano e somente quatro anos depois a situação começa a andar. A luta, sem sombra de dúvidas, é grande. O caminho vai ser tortuoso e, como se está no Brasil, tudo ainda pode terminar em pizza. É exatamente por isso que essa tragédia não pode nem deve cair no esquecimento. Eram vidas, pessoas. Eram famílias, e não números ou mapas. 

A luta continua.

 

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