Editorial: Ir além

 

Amor nada mais é do que um gostar de muitos verbos ao mesmo tempo. Ouvir, tocar, falar, cuidar… Também que amar dá trabalho, é um exercício diário. Sim! Realmente, é trabalhoso, principalmente quando envolve o cuidado. O tema do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano teve esse foco: “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. Apesar de estarem interligados, amar e cuidar não é fácil, nem  é para qualquer um. O tema, complexo só pelo título, pegou muitos candidatos de surpresa e aqueles que se preparavam para militar sobre assuntos políticos, humanitários, científicos, não conseguiram captar a sutileza da essência que a temática trazia. Foi preciso ir além do que os olhos conseguem ver para captar um tema de suma importância, que urge vir para o debate e discorrer sobre o assunto. 

Mas por que tantos candidatos tiveram tanta dificuldade? O próprio tema diz: invisíveis. É assim que as mulheres donas de casa ou não, que se desdobram com o cuidado de seus lares, seus filhos ou pais idosos são: invisíveis. Afinal, elas não nasceram para isso mesmo? Para o cuidado? Por que ter um olhar mais crítico para isso quando elas “só” estão fazendo o que deve ser feito? Cuidar. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que as mulheres dedicam, em média, 21,3 horas semanais aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas, enquanto os homens utilizam 11,7 horas. Mesmo com a polêmica que o tema do Enem causou neste ano, talvez esses dados ainda não sejam claros para quem não consegue ir um pouco além do que já está enraizado na humanidade desde que o mundo surgiu. Afinal, elas sempre estiveram ali, trabalhando fora ou não, nos cuidados de casa, dos filhos, dos maridos, da família, sempre recaíram nelas. É quase como uma sentença ou, melhor dizendo, é uma sentença. 

Quando nasce uma mulher nasce com ela também a obrigação do cuidado, do maternar, dos afazeres domésticos; ela decide ser empresária, ter uma carreira ou se uma dona de casa, não importa. O cuidar é dela. Ela está sentenciada a isso. Não há escapatória. Enquanto atrasam suas carreiras quando decidem ser mães ou as abandonam totalmente, os homens seguem seus caminhos ganhando mais e sendo promovidos. E, quando vem a provocação do pensamento, vem o susto. Pensar que o cuidado é cansativo, que o amor é muitas vezes difícil, é demais para uma sociedade acostumada a ser cuidada apenas pela figura feminina. Afinal de contas, os homens não foram ensinados a isso. Esse papel é da mulher desde o início dos tempos. Ser invisível talvez seja a segunda sentença que uma mulher recebe ao nascer. O tema era, sim, um pouco complexo e assustador para quem o viu pela primeira vez. Talvez a justificativa seja mais simples do que se imagina: a sociedade não está acostumada a sair um pouco de sua caixinha e ir além. De fato é difícil verbalizar que o cuidado cansa e o amor, muitas vezes, dói.

 

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