[CRÔNICAS DEMOCRÁTICAS] Divinópolis é uma das cidades que podem decidir a eleição do próximo presidente?

Uma análise da ideia que circulou nos últimos dias pela mídia mineira

Por Márcio Almeida

Os comícios feitos pelo presidente Jair Bolsonaro em Divinópolis e Contagem na semana passada, em campanha por um segundo mandato, levaram a um compreensível questionamento da mídia sobre o papel que essas e outras cidades mineiras podem ter para compor o resultado das eleições de 2 de outubro. Assim, motivado talvez pelo expressivo número de apoiadores que o candidato reuniu nas duas cidades, o portal Estado de Minas, de Belo Horizonte, produziu no dia 25 de setembro uma notícia — republicada com adaptações por vários veículos de mídia do interior — que incluiu Divinópolis entre as 10 cidades mineiras que podem decidir a eleição no país. A ideia é simpática, na medida em que injeta ânimo no eleitorado mineiro para comparecer às urnas no próximo domingo. Mas não corresponde aos fatos. Nem Divinópolis nem as outras 9 cidades citadas no texto podem decidir as eleições para presidente de 2022.

O texto do portal Estado de Minas foi vítima de uma confusão decorrente do uso pouco preciso do vocabulário. A manchete, sustentando que as cidades mineiras “podem decidir as eleições”, estabelece uma relação de causa e efeito entre o que se der no comportamento dos eleitores de tais municípios e o que afinal vier a se verificar no resultado nacional do pleito. Já o texto da notícia registra que esse grupo de cidades “ajuda a entender a máxima a respeito do papel de Minas Gerais como ‘pêndulo’ das disputas presidenciais”. Tal máxima sobre Minas, há muito lembrada por analistas políticos, não significa que um grupo de cidades decide a eleição nacional, como interpretaram os repórteres, mas que são parte de uma amostragem fiel do que tende a ocorrer nas eleições. Há substancial diferença entre a segunda ideia, que menciona Minas como amostra, e a primeira, que estabelece relação de causa e efeito entre o que fazem seus eleitores e o resultado geral das eleições para presidente.  A confusão feita pelo texto do portal Estado de Minas está em diluir a diferença entre amostra da realidade e causa de um fato. Trata-se, entretanto, de coisas obviamente distintas.

A realidade mostra duas razões para considerar essa distinção. Primeiro, é preciso dizer que não são essas dez cidades, “embora estejam inseridas em contextos sociais e econômicos diferentes e distantes entre si” — como registra textualmente a publicação do Estado de Minas — que podem ajudar a decidir a eleição. Essa construção padece de falta de lógica, uma vez que sugere haver algo comum a 10 cidades de diferentes regiões mineiras capazes de, a despeito dessa diferença, influenciar a decisão do pleito. A realidade, com a qual os analistas da política lidam há décadas, é que não é um grupo de cidades mineiras e sim Minas por inteiro que constitui uma amostra historicamente fiel do resultado das eleições presidenciais. Dito de outro modo: em todos os pleitos feitos desde a redemocratização de 1988, os candidatos que venceram a disputa presidencial em nível nacional também a venceram em Minas, que por isso se tornou o mais fiel estado do país em termos de amostra das tendências do eleitorado.

E por que Minas tem essa peculiaridade? A resposta também é há muito conhecida. Isso se dá porque o estado, além de sua grande extensão territorial, tem grande heterogeneidade socioeconômica, apresentando, por exemplo, realidades muito diversas entre os municípios do Triângulo Mineiro e os do Vale do Jequitinhonha ou entre os do Norte e os da Zona da Mata. Em razão dessa diversidade, que é também cultural, Minas pode ser vista como um país dentro do país. Assim, o colégio eleitoral mineiro — nele incluídas as dez cidades que a publicação do Estado de Minas aponta como decisivas — é uma amostra fidedigna das tendências do eleitorado brasileiro, marcado por essa heterogeneidade socioeconômica e cultural. Mas Minas não tem essa característica “apesar de” sua diversidade, como registra o texto do portal, e sim “por causa” dela. A diferença entre as duas coisas é grande. Ao dizer que dez cidades de regiões diferentes podem “decidir” ou “definir” resultados, atribui-se a elas uma característica extraordinária. O que ocorre, entretanto, é que elas ajudam a compor uma amostragem fiel de tendências justamente porque têm realidades diferentes. Portanto, o portal Estado de Minas ouviu o galo cantar, como diz o mineirês do interior, mas não soube dizer exatamente onde ele se encontrava.

Há uma segunda razão que justifica afirmar que nem Divinópolis, nem as outras cidades mineiras que o portal Estado de Minas considerou decisivas para a determinação do resultado eleitoral de 2022 têm, de fato, uma capacidade superior à das demais cidades brasileiras de decidir a disputa. Para se constatar isso, deve-se, como primeiro passo, partir do ponto de vista de que a estatística é uma ciência exata superior à entidade chamada por alguns de “datapovo”, que generaliza conclusões a partir de aglomerados de eleitores surgidos durante comícios ou motociatas de campanha. Deve-se, como segundo passo, considerar que são válidas as aferições de intenção de voto feitas por institutos tidos por críveis pela grande maioria da mídia não partidária e dos cientistas políticos. Essa consideração comporta uma ressalva quanto a empresas como a Paraná Pesquisas, envolvida em investigações policiais de suspeitas de irregularidades e criticada por receber grande soma de recursos do partido e do governo de Bolsonaro, que já foi, aliás, apontado em seus levantamentos como estando em “empate técnico” com Lula, o que nenhuma outra instituição indicou ao longo de toda a campanha eleitoral.

Dados esses passos e feita a ressalva quanto à credibilidade dos institutos, chega-se à conclusão de que não é Minas — muito menos dez cidades dentro do estado — que pode decidir o pleito deste ano, se considerarmos como “decidir” uma mudança de orientação do eleitorado capaz de influir de modo substancial na tendência de resultado até aqui esboçada. E por que não? Porque o Estado já está, há várias semanas, com tendência consolidada de liderança de um dos candidatos, que é Lula. Sucessivas medições de diferentes institutos tidos por críveis vêm mostrando tanto os números da liderança do candidato do PT, muito próximos entre si, quanto uma tendência constante de crescimento de seu desempenho nas intenções de voto. Em português claro: não há nenhuma razão na realidade eleitoral para afirmar que Minas, mais do que outros lugares do Brasil, pode mudar o curso dos fatos e, por exemplo, dar vitória a Bolsonaro ou a outro candidato que hoje não lidera as pesquisas. Embora já tenha chegado a reta final da campanha, não está excluída, naturalmente, a possibilidade de uma onda eleitoral que reverta a atual tendência. Mas não há nenhum elemento na realidade até agora constatada que permita deduzir que isso virá prioritariamente ou exclusivamente de Minas, que, afinal, como ficou dito, é uma amostra fiel do que se passa no restante do país e não um lugar de onde vêm “decisivos” passes de mágica eleitorais.

 

Márcio Almeida é analista de política do Agora.

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