Defesa rebate acusações apresentadas em inquérito

Biomédica e três profissionais foram indiciados pela morte de paciente em clínica de estética

Da Redação

Os cinco meses de investigação transformaram-se em mais de 700 páginas, agora encaminhadas ao Ministério Público (MP). A Polícia Civil (PC) indiciou a biomédica Lorena Marcondes por homicídio doloso pela morte da paciente Íris Martins, de 46 anos, em 8 de maio deste ano. Outras duas profissionais, que prestavam assistência à biomédica durante os procedimentos, também foram indiciadas pelo crime na condição de partícipes. A um terceiro funcionário foi atribuído fraude processual, por alteração na cena do ocorrido.  

Entre os principais pontos, as autoridades citam a ausência de qualificação profissional da biomédica para realizar o procedimento, estrutura insuficiente para lidar com possíveis intercorrências e tentativa de ocultar provas. 

A defesa de Lorena afirmou estar tranquila quanto às alegações, e vê uma “sanha acusatória” por parte da PC. 

Complexidade

Chefe do 7º Departamento da Polícia Civil, Flávio Destro classificou o trabalho como “complexo”. Sobre o tempo para conclusão do inquérito, ressaltou a necessidade de aguardar o resultado de exames laboratoriais e periciais. 

— A Polícia Civil concluiu que, de fato, houve homicídio doloso, com dolo eventual, que é aquele em que se assume o risco — definiu. 

Delegado do caso, Marcelo Nunes Júnior citou duas circunstâncias qualificadoras para o agravamento de eventual condenação e pena: torpeza e traição. A primeira diz respeito ao objetivo exclusivo de lucro. 

— As planilhas que coletamos não tem nenhum dado científico e médico do paciente, apenas questões financeiras. 

Já a segunda refere-se ao fato de, de acordo com o delegado, a biomédica publicizar o procedimento como não invasivo, traindo a confiança dos pacientes. 

Cadeia de eventos

O médico-legista, João Paulo Nunes, explicou a cadeia de eventos que levaram à morte da paciente. Segundo ele, todas as análises corroboram para a tese do procedimento ser, de fato, uma lipoaspiração. 

Posterior às incisões no início do procedimento estético, Íris teria sofrido um choque hemorrágico, com perda significativa de sangue. Análise toxicológica, realizada pelo Instituto Médico Legal (IML) em Belo Horizonte, também revelou a presença do anestésico Lidocaína, que deve ser administrado com “rigor, técnica e precaução”. 

— É uma substância que pode levar, diante de intoxicação, a situações fatais. 

Na avaliação do legista, considerando o período entre a aplicação do anestésico e a realização do exame, uma vez que o tempo de permanência da substância no sangue é curto, a dosagem aplicada foi "significativa e estaria relacionada à uma intoxicação".

A junção entre a hemorragia e a intoxicação culminou na parada cardiorrespiratória. Além disso, exame laboratorial do pulmão constatou que restos alimentares no trato gastrointestinal foram para as vias áreas. 

— Um dano grave e irreversível — ponderou o legista. 

A lipoaspiração, reforçou João Paulo, é um procedimento regulado nacionalmente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). 

— Procedimentos estéticos invasivos são privativos da atividade do médico. 

Segundo o especialista, não foram encontrados elementos que comprovem o cumprimento dos parâmetros exigidos, como habilitação específica para realizar o procedimento, documentos com informações pré-operatórias, avaliação anestésica, presença de equipamentos para resposta imediata em caso de intercorrência, aparelhos para monitorar o estado de saúde da paciente, dentre outros. 

Perícia

O caso aconteceu na manhã do dia 8 de maio. No período da tarde, a perita criminal Paula Lamounier esteve na clínica, onde encontrou frascos com substâncias injetáveis, de uso restrito a ambientes hospitalares e ambulatoriais, com disponibilidade de suporte ventilatório e hemodinâmico, relatou. 

Já no dia seguinte ao ocorrido, a Perícia analisou os materiais encontrados no veículo de uma das funcionárias, parado em um estacionamento. Exames confirmaram a presença do perfil genético de Irís em toalhas e capas de almofadas ensanguentadas. Além de outras substâncias, também foi encontrado o polimetilmetacrilato, conhecido como PMMA, usado como “preenchedor de deformidades pequenas ou casos de lipodistrofia do HIV”. 

— Não é indicado para fins estéticos. 

O PMMA estava já diluído com soro, “pronto para uso”, acrescentou. A solução apenas não teria sido utilizada devido à interrupção do procedimento, suspeita a PC. 

Assim como o médico-legista, a perita também concluiu que a intervenção não deveria ser realizada na clínica, diante das ausências de profissional habilitado e equipamentos para ressuscitação.

— Identificamos que ocorreu um procedimento indevido. (...) Não encontramos medidor de pressão arterial, cilindro de oxigênio portátil ou fixo nas paredes, carrinho de ressuscitação e reanimação cardíaca. 

Paula Lamounier também citou a falta de registros documentais. 

— Todas as ações desenvolvidas pelos profissionais deveriam ser registradas, tanto para o controle de quem está fazendo o procedimento quanto para controle dos órgãos de fiscalização — explica. 

Outras vítimas

O delegado do caso, Marcelo Nunes, afirmou que, desde o primeiro dia, há uma tentativa dos envolvidos em “esconder provas”. 

— Todos tentaram alterar a cena do crime, isso é óbvio, está mais do que demonstrado. Limparam o local, esconderam maquinário, não achamos materiais, temos imagens deles saindo, com as coisas da clínica, em sacos. 

Em seu entendimento, o caso não pode ser rotulado como uma fatalidade, pois, para isso, seria necessário cumprir todas as exigências legais, o que não ocorreu. 

— Falar que é uma fatalidade é um desrespeito com a Íris. 

Investigações em andamento

Outros casos de pacientes da biomédica, inclusive, ainda estão em investigação na Polícia Civil. 

— Não sei como não morreram mais pessoas. Há outros relatos. Existem investigações paralelas, inúmeras vítimas que estão sendo apuradas separadamente — explicou o delegado. 

Os relatos são de dor e falta de apoio e orientação após os procedimentos. Em dos depoimentos, uma paciente teria dito que Lorena a sugeriu procurar um padre e “rezar mais”. Alguns dos casos, inclusive, são iguais ao procedimento ao qual Íris foi submetida. Uma das clientes da biomédica relatou à PC ter pensando que “iria morrer”. 

— Ela basicamente colocava os pacientes para fora sem suporte algum. Ligava para os namorados [das pacientes] e falava: “passou mal, vem buscar” — afirmou Nunes.

Dupla função

O chefe do 7º DPC, Flávio Destro, acrescentou que Lorena atuava como anestesista e cirurgiã-plástica, mesmo não sendo habilitada em nenhuma das duas áreas. 

— Ela agiu como se fosse dois médicos: anestesia, que ela administrou anestesia em quantidade absurda, e como se fosse uma cirurgiã-plástica, fazendo a lipoaspiração. (...) Quem assim age assume, inegavelmente, o risco de matar. Não morreram outros pacientes, pois eles tiveram sorte. Essa conduta não era isolada, infelizmente — pontuou. 

Defesa

Advogado de Lorena, Tiago Lenoir manifestou “surpresa” com o indiciamento por homicídio doloso. Em sua avaliação, a coletiva não apresentou fatos considerados importantes pela defesa. 

— Em momento algum eles reforçaram que a clínica da Lorena era legal, tinha todos os alvarás de fiscalização em dia e que ela é biomédica e, como tal, pode praticar determinados atos — explicou. 

O advogado cita o líquido Klein, anestésico resultado da solução entre soro, bicarbonato e lidocaína. 

— Esse líquido é utilizado por todos os profissionais da estética, sobretudo, pelos biomédicos. 

O procedimento realizado por Lorena em Íris chama-se lipolaser, garante o advogado, diferente e menos invasivo do que a lipoaspiração citada pela PC. 

— A lipoaspiração requer uma anestesia, uma equipe médica e um local complexo para fazer. No caso da biomedicina, eles podem, sim, utilizar o laser para fazer o procedimento estético.

Lenoir justifica que, na lipoaspiração, são feitos “quatro furos enormes, com cânulas e uma máquina grande”, não compatível com os equipamentos de menor escala encontrados na clínica.

— Justamente cânulas pequenas para fazer essas pequenas incisões. Não encontraram nenhuma máquina de lipoaspiração — argumenta. 

Outro ponto da defesa é o auxílio prestado por Lorena. 

— Como uma pessoa que tem o interesse de matar, que assume o risco de matar, presta os primeiros socorros à vítima e fica lá até o final? (...) Logo quando a vítima passou mal, a Lorena imediatamente acionou uma equipe médica, que chegou com menos de dois minutos e começou a fazer as massagens cardíacas. A própria clínica da Lorena fez o contato com o Samu. (...) A paciente saiu viva da clínica da Lorena e faleceu mais de 10 horas depois, no hospital.

Sobre os sinais de trauma abdominal e hemorragia, o advogado rebate a associação ao procedimento.

— Obviamente, teria várias hemorragias internas porque ela foi massageada por mais de uma hora, seja pelo Samu quanto pelos médicos que chegaram antes na clínica.

Outro contraponto é em relação às afirmações de tentativa de esconder as evidências do caso.  

— Jamais. Não houve nenhuma ocultação de provas. Durante toda aquela confusão de retirar a vítima, do procedimento, do Samu, as polícias Militar e Civil foram acionadas. Não teve prazo para ocultar nenhum objeto, nada  — refutou.

Além disso, o advogado cita que a PC teve acesso a todas as câmeras do prédio, podendo observar “exatamente o que saiu e entrou”. 

O equipamento utilizado no lipolaser, complementa Tiago, era locado, informação repassada pela própria Lorena à Perícia. 

O advogado criticou a condução da investigação.  

— Acharam mais conveniente ir atrás de um culpado. Não é assim que se faz justiça. (...) O que eu percebo da Polícia Civil é que eles encontram o suspeito e vão atrás, sem olhar pelos diversos ângulos que devem ser analisados com toda a seriedade para a busca da verdade.

Ao fim, Tiago Lenoir declarou estar tranquilo quanto a inocência de Lorena.

— Ela não saiu de casa para matar ninguém, ela saiu de casa para trabalhar como já tinha realizado inúmeros procedimentos ao longo de 12 anos de profissão — resumiu.

 

 

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