CPI da Educação: entre bodes expiatórios e mudanças de narrativa

Em novo artigo de análise exclusivo para o Agora, o colunista discute os fatos que movimentaram a principal polêmica política de Divinópolis nos últimos dias

CRÔNICAS DEMOCRÁTICAS

Márcio Almeida 

CPI da Educação: entre bodes expiatórios e mudanças de narrativa

Em novo artigo de análise exclusivo para o Agora, o colunista discute os fatos que movimentaram a principal polêmica política de Divinópolis nos últimos dias

 

Linha divisória no mandato do prefeito Gleidson Azevedo (PSC), na medida em que marcam o momento a partir do qual o discurso em tons de campanha cede lugar a uma narrativa que busca enfrentar os percalços de que costuma ser feito o cotidiano das administrações públicas, as suspeitas de irregularidades em compras de equipamentos e materiais realizadas pela Secretaria Municipal de Educação sequestraram quase todo o tempo do noticiário político nos últimos dias em Divinópolis. Dois fatos vieram se somar ao episódio, que segue repercutindo.

O primeiro deles é o afastamento da secretária de Educação, Andreia Dimas, enquanto durarem as investigações, que são conduzidas tanto pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que levantou na Câmara Municipal as suspeitas de superfaturamento quanto por uma comissão de sindicância que a Prefeitura noticiou ter instalado em âmbito interno. Tomada pelo prefeito Gleidson, a decisão de afastar a secretária dividiu opiniões mesmo entre seus apoiadores, com direito a uma torcida pró-Andreia que mereceu até a divulgação de um slogan de apoio em redes sociais. 

É evidente que a secretária não se saiu bem na entrevista de rádio à qual compareceu, na companhia do prefeito, para esclarecer os indícios de irregularidades nas compras, já que se esquivou ao responder a perguntas objetivas sobre valores aparentemente superfaturados pagos por alguns itens do processo licitatório. Sua alegação de que seria preciso esperar as conclusões da CPI para dar respostas não conseguiu produzir nada além da desconfiança de que ela não tinha ciência do que efetivamente havia se passado em compras feitas com recursos públicos destinados à pasta de que é gestora.  

Não fica claro, entretanto, em que medida o afastamento da secretária consegue, por si só, assegurar maior lisura à investigação das suspeitas, tendo em vista que a própria Andreia declarou em público que outros setores e servidores, que seguem trabalhando normalmente na Prefeitura, tomaram parte na condução do processo licitatório. A única coisa clara no episódio é que Andreia terminou exposta pela determinação de afastamento. Nas horas e dias seguintes à entrevista em que a secretária escolheu cuidadosamente as frases para evitar considerações sobre aspectos técnicos das compras, Gleidson, reagindo a vídeos em que vereadores haviam mostrado itens suspeitos de superfaturamento, informou, como já havia feito no rádio ao lado de Andreia, não ter participado diretamente do processo licitatório, cujos detalhes técnicos afirmou desconhecer. E declarou, sem meias palavras, não concordar com o preço de alguns itens das compras feitas. 

Na sequência, embora tenha dito não crer em má fé ou obtenção de vantagem pessoal por parte de membros da sua equipe de governo, o prefeito declarou estar considerando a possibilidade de ter ocorrido erro técnico nas compras. Como esse possível erro é determinante para o que eventualmente possa vir a ser apontado ao fim das investigações como uma lesão aos cofres públicos, o que o prefeito de fato fez, do ponto de vista político, ainda que elogiando diplomaticamente as qualidades de sua secretária da Educação, foi isolar-se dela. Convém, portanto, que os responsáveis por fazer circular na internet a hashtag “Eu acredito na Andreia” moderem suas expectativas. Andreia precisará de uma extraordinária dose de amor ao cargo, e de uma não menos extraordinária capacidade de renúncia ao amor próprio, para ser exposta à plateia com uma ordem de afastamento — em um gesto que até o líder do bloco de apoio a Gleidson na Câmara, Edsom Sousa (CDN), considerou “precipitado” — e depois voltar à pasta como se não tivesse sido usada como bode expiatório em uma tentativa de aplacar a onda de suspeita em torno do episódio que se espalhou pela cidade nas últimas semanas. 

Por fim, o segundo fato político que nos últimos dias movimentou o episódio envolvendo as suspeitas de irregularidades nas compras da Secretaria de Educação é constituído pelas falas em que o deputado estadual Cleitinho Azevedo (PSC) salientou seu apoio às investigações e sua impressão de que possivelmente houve erro técnico e “incompetência” nas compras, embora tenha dito não acreditar em má fé ou obtenção de vantagem pessoal. As manifestações de Cleitinho não foram erradas: foram atrasadas. Líder do bloco político que elegeu prefeito seu irmão Gleidson, de cuja administração é o fiador político, o deputado poderia ter vindo a público antes dos memes e comentários que nos últimos dias cobraram insistentemente sua posição.

A cobrança popular é justa, na medida em que Cleitinho, como mostram suas redes sociais, passa parte considerável do seu tempo denunciando a ineficiência estatal, esta mesma ineficiência que, na forma de suspeita, paira agora sobre as compras do setor de Educação na gestão do prefeito que ele contribuiu decisivamente para eleger em sua cidade. Em todo caso, antes tarde do que nunca. As palavras do deputado soam corretas, pois o que ele fez foi dar à administração uma narrativa que até aqui ela não tinha conseguido esboçar diante do episódio. Pedir apurações e constatar que é preciso buscar os responsáveis por eventuais irregularidades e puni-los, assim como é preciso buscar reparação no caso de se constatar lesão aos cofres públicos, já é algo bem melhor do que atribuir as suspeitas à politicagem pré-eleitoral, como fez em declaração pública Eduardo Azevedo, o irmão vereador da família, assim como é melhor do que levantar na Câmara questões regimentais que atrasaram em mais de dez dias o início da CPI e assim terminaram elevando a pressão social sobre o caso. 

 

Márcio Almeida é professor, jornalista e analista político em Divinópolis.

 

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