Cidade comemora 11 décadas com museu ainda abandonado

Casarão está interditado desde 2017; processo licitatório para a reforma já começou, mas Prefeitura não tem previsão de retorno

 

Ariane Stéfanie

Divinópolis comemora hoje, 1º de junho, seu 110º aniversário. As 11 décadas que se passaram foram marcadas por diversas histórias, culturas e transformações, desde a passagem dos indígenas na região até a era das indústrias, ferrovia e vestuário, que foram cruciais para o desenvolvimento e construção do legado do município. 

Mesmo com tantos objetos, quadros, documentos e quaisquer outros elementos que fazem parte da cidade, a geração atual se encontra cada vez mais distante da própria história, visto que o Museu Histórico de Divinópolis, que abrigava todo esse conteúdo e mantinha vivas as memórias das transformações da cidade, está fechado há cerca de cinco anos, sem previsão de retorno.

 

História 

Os primeiros moradores dos vales do rio Itapecerica e Pará foram os Cayapó do Sul. De acordo com o historiador e jornalista Flávio Flora, eles atendiam por diversos nomes: 

 

  • Tacapeiros”, citados pelos bandeirantes do século XVII, por sua habilidade em usar o tacape como arma de caça e guerra); 
  • Cayapó”, apelido dado pelos colonizadores que, em língua tupi, significa “o-que-traz-fogo-na-mão”, por sua capacidade de usar o fogo em queimadas de caça e guerra; 
  • Bilreiros”, por causa do barulho que faziam durante as batalhas e festas; 
  • “Índios Gigantes”, pelos oficiais portugueses, em documentos da Capitania de Minas; 
  • Canditéa” (“cabeça-limpa-bonita”, em tupi), pelos primeiros fazendeiros do vale do rio Itapecerica, em referência ao modo de cortar o cabelo dos homens e as mulheres depilarem duas faixas no topo da cabeça; 
  • Mangonga”, pelos negros de Carmo do Cajuru, em língua Quicongo/banto,que significa “gente-grande”;
  • Panará” (“ser-humano, gente”), na língua Jê, como eles se denominam até hoje, para se diferenciarem de outras tribos, especialmente dos “inimigos” Kayapó;
  • Kreen-Akarore”, nome atual resultante de “kran-iakarare” (“cabeça-cortada-redonda”, em língua Jê), descrevendo a aparência própria dessa etnia.

 

No século XVIII, por volta de 1730, os Candidés percorreram os caminhos que ligavam as cidades de Barbacena e Pitangui. Após um tempo, eles se estabeleceram próximo à chamada Cachoeira Grande. Essa ocupação fez com que o conhecido hoje como rio Itapecerica fosse denominado. 

O rio sempre teve relevância na história de Divinópolis. Ele foi um local importante para travessias para diversas cidades, como Vila de Pitangui e São João del-Rei, por conta das pedras emersas no rio, que facilitavam a passagem. Daí o nome Itapecerica, já que “Ita” significa pedra e “Pissirica” quer dizer molhada no Tupi Guarani.

Após a passagem dos indígenas, outros povos povoaram a região, como a expedição do bandeirante Feliciano Cardoso de Camargo, em 1735; e o batedor da bandeira da Picada de Goiás, Tomaz Teixeira, em 1736. Em 1737, um morador da região construiu uma pequena capela, em homenagem a São Vicente de Paula, como forma de cumprir uma promessa feita ao Divino Espírito Santo. 

Anos se passaram, o arraial foi expandido, construções foram ocorrendo e a região, então, ficou conhecida como Arraial do Espírito Santo do Itapecerica, em 1839. Já em 1841, se tornou um distrito e foi chamada de “Espírito Santo do Itapecerica”. A partir de 1882, a cidade passou a ser apenas “Espírito Santo”. Até que, somente em 1912, devido à devoção dos moradores com o Divino Espírito Santo, a cidade se tornou a “Vila Divinópolis”. Em 7 de setembro de 1923, pela Lei Estadual 843, a cidade foi se expandindo e o nome Divinópolis permaneceu. 

 

Desenvolvimento e trabalho

O trabalho faz parte da história do povo e pode explicar muito sobre uma cultura e forma de vida atual. Flávio Flora revela que, a partir da instalação da Estrada de Ferro Oeste, o arraial se expandiu em questões de trabalho.

— Em 1890 um novo tempo de desenvolvimento se estabeleceu no arraial com novos moradores, ferramentas e técnicas — disse.

Na década de 1910 um ramal, ligando o arraial a Belo Horizonte, foi inaugurado, dentro do projeto chamado “Ferrovia da Integração BH-Triângulo”. Segundo o historiador, isso transformou a região em um importante entroncamento ferroviário.

Em 1915, na chamada Vila Operária, oficinas ferroviárias foram instaladas. Essa mudança foi crucial para a cidade, em todos os aspectos.

— [Isso] intensificou o desenvolvimento cultural, social, político e econômico da localidade. Engenheiros, técnicos das mais variadas categorias (marceneiros, soldadores, desenhistas, forjadores etc.) e pensamentos (livres-pensadores, religiosos protestantes, espíritas, maçons, frades franciscanos etc.) — disse Flávio.

Esse crescimento da ferrovia fez com que, entre os anos 1920 e 1960, a cidade se expandisse em áreas como agricultura, comércio e, principalmente, o industrialismo. Nesse setor, de acordo com Flávio, vários destaques podem ser citados, como a destilação de álcool combustível de mandioca (pioneirismo nacional, em 1930); produção siderúrgica (a Siderúrgica Mineira, fundada pelo industrial Jovelino Rabelo, foi a quarta do Brasil, em 1942) e fiação e tecelagem (nos anos 1950).

Já em 1960, as atividades industriais, a ferrovia e o comércio foram as principais fontes de renda dos trabalhadores de Divinópolis. Com isso, a cidade se desenvolveu em diversos aspectos, como na educação - várias escolas técnicas foram fundadas -, na saúde e na cultura, com destaque nas áreas de música, radiofonia, teatro, literatura e artes plásticas.

Após toda essa expansão e desenvolvimento, em 1960, a cidade passou por uma forte crise econômica e, nos meados de 1960, os divinopolitanos enfrentavam alto nível de desemprego. Com várias famílias passando por dificuldades, as pessoas, especialmente as mulheres, montaram pequenas fábricas de roupas.

— Dezenas de fabriquetas surgiram “nos quintais” na época, de modo que, ao fim dos anos 1970, esse setor já tinha cerca de 1.500 fabriquetas registradas — explicou o historiador.

 

Museu

Divinópolis é uma cidade formada por pessoas que vieram de diversos lugares, com culturas, usos e costumes diversificados. Com tanta história a ser partilhada, o Museu Histórico de Divinópolis era o espaço onde esses registros importantes para a cidade podiam ser vistos.  Localizado na praça Dom Cristiano, o Casarão que abriga o museu tem tanta história quanto os objetos que ali permaneciam.

Construído em 1830, o imóvel é o mais antigo do município e foi, inicialmente, uma residência familiar, quando a cidade ainda tinha a nomenclatura de Arraial do Divino Espírito Santo. Com o passar dos anos, o conhecido popularmente como o “sobrado do Largo da Matriz” foi posto de saúde, escolas, cinema, casa paroquial e até sala de reunião voltada para assuntos políticos. 

Após ser espaço para várias atividades, no dia 31 de maio de 1986, o casarão se transformou no local que abrigava o Museu Histórico da região. Ele foi restaurado e se tornou o primeiro patrimônio tombado da cidade, em 1988.  Flávio explica que é nessa variedade de experiências que o museu se faz importante e necessário.

— Os vínculos culturais na maioria dos casos não se fazem com naturalidade, necessitando de ampla motivação para contribuir com o aprimoramento identitário e cultural do povo divinopolitano, que começou a se definir nos anos 1910 e a declinar no século 21 — disse.

 

História esquecida

O historiador lembra que o Museu tem passado por diversas crises desde que foi instalado, perdendo diversos itens do acervo original. E a falta de conhecimento museológico, como inventariação, recuperação, estrutura e organização, e o pouco envolvimento da sociedade na manutenção e crescimento do acervo, conforme ele, contribuem para que a história da cidade se torne cada vez mais esquecida.

— Penso que o afastamento da sociedade da história local seja causado pela omissão do poder público, pela superficialidade com que as escolas tratam da história local, das personalidades e dos eventos que marcam a trajetória existencial do município — acrescentou.

 

Interdição 

No dia 14 de março de 2017, o prédio do Museu Histórico de Divinópolis foi interditado por problemas em sua estrutura. Na época, uma análise feita por engenheiros e arquitetos detectou que parte da área traseira do prédio, voltada para a sustentação do casarão, estava comprometida, além de paredes com trincas e ondulações. Portanto, o fechamento do espaço se deu por risco de desabamento. 

Mesmo com tanta representatividade e legado que a história de Divinópolis carrega, sobretudo para a população nascida na região, as vivências do passado parecem deixadas de lado e as gerações atuais se afastam cada vez mais da história de seu próprio berço geográfico, já que, mais de cinco anos depois, o local permanece fechado.

Porém, de acordo com a Prefeitura, a licitação para realizar o projeto arquitetônico do casarão foi realizada e aprovada pelo conselho de Patrimônio Cultural (Compac), na terça-feira, 24.

— A empresa Rede Cidades ganhou a licitação e, agora, com a aprovação do Conselho, terminará o projeto arquitetônico para darmos início ao processo de licitação para a reforma do museu disse.

Entretanto, não tem um prazo definido.

— Não tem como falar uma previsão. Está tudo correndo para que seja realizado o mais rápido possível — finalizou.

Além do Casarão, Flávio cita o desmonte das praças Geraldo Corrêa e Jovelino Rabelo, que eram localizadas nos quarteirões fechados da rua São Paulo, como “eventos mais destrutivos da história divinopolitana”.

— Ao lado do abandono do Casarão, são exemplos indiscutíveis do valor que as administrações municipais têm dado à memória de seu povo — criticou.

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