Cassação não é lida e advogados citam descumprimento de lei federal

Presidência da Câmara justifica decisão; co-autor lamenta e quer texto em pauta amanhã

Matheus Augusto

A denúncia com pedido de cassação dos mandatos dos vereadores Eduardo Print Jr (PSDB) e Rodrigo Kaboja (PSD) não foi lida na Câmara durante a reunião de ontem. A decisão gerou críticas dos presentes no Plenário. Advogados alertam para o descumprimento da legislação federal que determina a leitura do texto na primeira reunião após o recebimento. 

O presidente da Câmara, Israel da Farmácia (PDT), justificou a situação. Segundo ele, o processo de digitalização das mais de mil páginas terminou apenas no fim da manhã de ontem. Agora, a documentação será analisada pela Procuradoria, para avaliação da constitucionalidade ou não do pedido. 

— Não é simplesmente chegar aqui, pegar o processo e ler. (...) Temos que mandar para a Procuradoria, para que faça a análise dos fatos narrados nos documentos. Além de averiguar o que consta no conteúdo, tem que conferir também a documentação — detalhou.

Israel afirmou não se tratar de decisão pessoal, apenas o rito legal do processo. 

— Não é o presidente nem a Câmara que não quiseram pautar e ler essa denúncia hoje, no Plenário, de forma alguma (...) Só assim, depois das conferências, para ver se é legal ou não, que vamos ver — explicou. 

Mandado de segurança

Membro da Associação dos Advogados do Centro-Oeste de Minas (AACO), o advogado Sérgio Martins detalhou o mandado de segurança impetrado pela entidade. O objetivo era obrigar a leitura da denúncia ainda na tarde de ontem. A avaliação é de descumprimento de legislação federal. 

— A Câmara de Divinópolis, em especial o presidente, descumpriu o Decreto-Lei 201, de 67, que obriga o presidente a colocar essa denúncia em pauta para que seja apreciada a admissibilidade de dar continuidade ou não desse processo de cassação dos dois vereadores — justificou. 

O presidente da Câmara, complementa o advogado, poderá inclusive responder “administrativamente, criminalmente e civilmente pelo descumprimento de um decreto federal”.  

— É um ato de prevaricação e, principalmente, quebra de decoro parlamentar. Ele inclusive pode ser cassado — acrescentou. 

Sob argumento de que a reunião já havia começado, o pedido foi negado pelo juiz. A reunião da Câmara foi encerrada por volta das 16h48 sem a leitura da denúncia. 

Tribuna

Na tribuna, o co-autor da denúncia, Eduardo Augusto, lamentou a não não leitura do documento. O advogado reafirmou o entendimento baseado no Decreto-Lei 201, referente à leitura da denúncia na primeira sessão após a protocolização. 

Ao contrário de outros casos, Augusto explicou ser necessário prazo para a convocação dos suplentes, uma vez que o suplente de Kaboja, Breno Junior (PSD) ocupa a cadeira diante do afastamento do companheiro de partido. Além disso, não seria necessária a notificação para presença de César Tarzan, substituto de Print, diante da suspensão judicial. 

— Agora, a obrigação é dos senhores. (...) Divinópolis não merece essa tragédia. Divinópolis está parada no tempo por conta desses tipos de políticos. (...) Quantos empresários deixaram de fazer seus empreendimentos? 

Novamente, Eduardo Augusto voltou a cobrar a leitura e votação da denúncia para apuração dos relatos, sem a necessidade de esperar o julgamento do caso, visto que os denunciados também terão direito à defesa no processo legislativo. 

— Os senhores têm que mudar a história de Divinópolis, virar a página. (...)  Sejam honestos, defendam o povo que está lá fora.

À reportagem, o advogado anunciou a intenção de recorrer, na esfera estadual, com um agravo para obter uma decisão favorável do desembargador pela obrigatoriedade da denúncia ser colocada em pauta amanhã. 

Especialista

O Agora conversou ontem com o especialista em decisões do Poder Legislativo, o advogado Fabrício Assunção. Ele também destacou o Decreto-Lei 201, de 27 de fevereiro de 1967, que detalha os crimes de responsabilidade aos quais prefeitos e vereadores estão sujeitos à cassação. 

— O presidente é obrigado a colocar em votação essa denúncia para que seja atingido o quórum mínimo, de maioria simples, para receber ou não a denúncia. Esse não é um ato discricionário. O decreto exige e determina que o presidente, após o conhecimento dessa denúncia, tem que colocar para apreciação em Plenário — pontuou. 

Segundo ele, a lei federal é uma imposição legal, obrigando o presidente a incluir a votação de admissibilidade da denúncia na primeira reunião após o recebimento. O descumprimento, inclusive, poderá acarretar em punições. 

— No meu entendimento, se houve o descumprimento voluntário de uma lei federal, isso seria, por exemplo, quebra de decoro. E, sendo quebra de decoro, ele poderia inclusive ser cassado não colocando a denúncia para apreciação de seus colegas — avaliou.

Trâmite

O artigo quinto estabelece o rito a ser seguido pela Câmara. O texto determina a leitura da denúncia na primeira sessão para votação em Plenário. Com aprovação da maioria dos presentes, três vereadores serão sorteados para integrar a Comissão Processante, incluindo com a definição de presidente e relator. O presidente, portanto, terá o prazo de cinco dias para notificar os denunciados, com envio da cópia de toda a documentação. Eles terão dez dias para apresentar defesa prévia, por escrito, indicando quais provas pretendem apresentar e quais testemunhas, no máximo dez, serão ouvidas. 

Em seguida, a comissão emitirá parecer, dentro de cinco dias, pelo prosseguimento ou arquivamento da denúncia. Em caso de avanço, inicia-se a fase de depoimentos das testemunhas e demais diligências necessárias. Os denunciados devem ser notificados previamente para participar e acompanhar todos os atos do processo, seja presencialmente ou por meio de procurador. A eles lhe são reservados o direito de assistir as oitivas e formular perguntas de seu interesse.

— A Comissão processante emitirá parecer final, pela procedência ou improcedência da acusação, e solicitará ao Presidente da Câmara a convocação de sessão para julgamento. Na sessão de julgamento, serão lidas as peças requeridas por qualquer dos vereadores e pelos denunciados, e, a seguir, os que desejarem poderão manifestar-se verbalmente, pelo tempo máximo de 15 minutos cada um, e, ao final, o denunciado, ou seu procurador, terá o prazo máximo de duas horas para produzir sua defesa oral — determina. 

Posterior à defesa, começam as votações nominais das denúncias. Caso dois terços votem favoráveis, o denunciado será afastado do cargo. 

— Concluído o julgamento, o presidente da Câmara proclamará imediatamente o resultado e fará lavrar ata que consigne a votação nominal sobre cada infração, e, se houver condenação, expedirá o competente decreto legislativo de cassação do mandato de prefeito. Se o resultado da votação for absolutório, o presidente determinará o arquivamento do processo. Em qualquer dos casos, o presidente da Câmara comunicará à Justiça Eleitoral o resultado — detalha a legislação federal.

O processo deve durar 90 dias a partir da notificação dos acusados. 

— Transcorrido o prazo sem o julgamento, o processo será arquivado, sem prejuízo de nova denúncia ainda que sobre os mesmos fatos.

 

 

 

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