Carnavais na Divineia

Fernando Alves Chagas 

Sempre fui somente um mero observador das lides carnavalescas. Na velha Divineia, carnaval era coisa importante, as pessoas se preparavam bem antes para os bailes do Divinópolis Clube e, tempos depois, do Estrela. As classes populares se contentavam com os desfiles da Escola de Samba Tupy, do grande Nonô, que era marceneiro de profissão e carnavalesco por vocação. Ele e a Dona Oralda, sua esposa, se transformavam em Rei e Rainha e faziam das ruas divinopolitanas, um verdadeiro tapete vermelho por onde desfilavam toda sua majestade.

Os blocos dos sujos eram também importantes, os homens surrupiavam vestidos dos guarda roupas das mães, esposas e irmãs e saiam faceiros, cada um mais feio do que o outro, turbinados pela cachaça, que é um santo remédio contra todas as inibições. Minhas amigas de adolescência caprichavam no figurino, se transformando em havaianas, baianas, num conjunto de cores que nos deixavam mais apaixonados ainda, pelas belezuras e pelas barriguinhas, ano inteiro escondidas, agora mostradas com gosto, graças ao santo carnaval.

Tínhamos outras pessoas que também eram mestres carnavalescos. O maestro Ivan Silva, sempre esbanjando felicidade e alegria, registradas em fotografias que trazem um sorriso em nossas memórias. Tio Nelson, eterno Rei Momo, desfilando sua simpatia e sorriso fácil, cumprindo seu papel de dono da festa. O Jorginho Miranda, detalhista e perfeccionista, trazia ideias das cidades grandes, enchendo de cores e animação a pacata Divineia.

Nessa festa toda, o que mais me encantava, eram as marchinhas que surgiam novamente e eram cantadas a todo vapor. E eu cantava, com gosto, junto de minha mãe, a ‘Jardineira’, ‘O Mal me Quer’, ‘As Pastorinhas’, ‘O Teu Cabelo Não Nega’ e mais um repertório infinito que representava a inocência de um Brasil, hoje pervertido pelas malfeitorias permitidas em nome de uma falsa moralidade. Agora, nestes tempos atuais, o carnaval tem o gosto amargo de uma eterna Quarta Feira de Cinzas, onde a remissão dos pecados está na ordem do dia. Me resta ser renitente e cantarolar bem baixinho, um Alah la ô, reclamando do calor e de tudo mais que transformou o Brasil carnavalesco numa paródia de mau gosto denominada Brasil Surubão, onde o desfile da miséria voltou a ser o enredo recorrente do nosso dia a dia. Porém, neste carnaval, vou colocar meu bloco na rua, cantando assim: “Doutor, eu não me engano, o bozo nazista é bandido miliciano”.

Estudou História da América Pré-Colombiana na instituição de ensino Escuela Nacional de Antropología e Historia, formou-se em 1980. Trabalhou como crítico de arte no Jornal Agora em meados dos anos 70.

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