Até onde há beleza no contraditório de direitos?

Dias atrás mencionei eufórica sobre o avanço da nossa legislação quando sancionada a lei que proíbe a fixação da guarda compartilhada em caso de violência doméstica, além disso, foi introduzido o art. 699, A no CPC, obrigando o juiz a ouvir as partes e o Ministério Público antes da conciliação acerca do caso concreto. Mas como sempre há opositores velados, no transcorrer desta semana, a comissão dos Direitos da Mulher da Câmara dos Deputados aprovou o PL (projeto de lei) 620/2020, que altera a Lei Maria da Penha (11.340/2006) para admitir a suspensão do processo nos crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, quando a pena mínima for igual ou inferior a um ano. A proposta é condicionada à homologação de um juiz, que poderá ser requerido pelo Ministério Público, mediante o atendimento de algumas condições, visando atender aos interesses de proteção da vítima, que deverá ser ouvida e concordar com a medida.

Reza o texto que não será admitida proposta de suspensão do processo se a vítima estiver em situação de risco e houver necessidade de manutenção da prisão preventiva do agressor.

Ainda haverá condições para a suspensão do processo que incluirão a obrigação de reparar o dano à vítima, inclusive morais a serem arbitrados pelo juiz; além do comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação, reeducação, prestação de serviços à comunidade; e respeito às medidas protetivas deferidas em favor da mulher.

Força a obrigação de não reiterar atos de violência doméstica e familiar contra a mulher; a proibição de ausentar-se da comarca onde reside sem prévia autorização do juiz; e o comparecimento pessoal e obrigatório do agressor em juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades. O cumprimento dessas condições deverá ser fiscalizado pelo juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Ainda, segundo a proposta, o Ministério Público deve fomentar a criação de programas estatais para a prestação de serviços à comunidade, recuperação e reeducação destinados aos agressores.

A partir de agora, a proposta será analisada em caráter conclusivo pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Ocorre que por detrás do projeto, à sua frente fica uma regressão ao direito da mulher, gerando mais possibilidades de amenizar as consequências geradas em razão da violência, o que é inadmissível, tornando a pauta uma regressão. 

Não se trata de invocar uma eterna punição contra o agressor, mas sim, de legalizar e trazer à luz da existência os direitos pertinentes àqueles que no transcorrer de um tempo teve seus direitos subjetivos e objetivos violados. Casos que envolvem a depreciação da mulher, independente de qual gênero for, precisam passar pelo crivo da coerência, gerando estabilidade no direito à sua segurança, afastando qualquer possibilidade de gerar lacuna que desestabilize a mulher na sociedade e amenize os danos causados.

Sabemos que algumas consequências geradas pelo agressor, tendem a ultrapassar os limites existenciais básicos do ser humano. As mulheres que sofrem violência doméstica precisam de respaldo que lhes dêem coragem de denunciar, confrontar e radicalmente transformar sua circunstância e história de vida. 

Muitas em razão do transtorno psíquico que sofrem no transcorrer de anos, se sentem totalmente fragilizadas, ridicularizadas por terem se permitido enquadrar numa situação tão vexatória. Portanto, são dignas de leis que lhes garantam e não lhes desestabilizam, e ou permitam que o julgador seja complacente com o agressor.  

Afinal, o dia a dia semeia a luz, mas há mulheres que passam por invernos tórridos, sem outonos, e todas vítimas dessa brutalidade de alma, precisam de força e respaldo para gerar mais uma estação, sendo essa a primavera.



Por Flavia Moreira. Advogada, pós-graduada em Direito Público, Direito Processual Civil, pelo IDDE em parceria com Universidade Coimbra de Portugal, ‘IUS GENTIUM CONIMBRIGAE, especialista em Direito de Família e Sucessões, associada ao IBDFAM e membro do Direito de Família da OAB/MG.

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