As filas da desigualdade

Raimundo Bechelaine

As filas da desigualdade

Notícia de poucos dias atrás (21/10) fazia um alerta: "Fila para comprar jatinho e helicóptero é de 15 meses". Informava ainda que o setor trabalha por encomendas e costumava entregar os pedidos no prazo de seis a oito meses. Agora, por causa da espera de mais de um ano, até o preço de aeronaves usadas subiu. Pois há quem, não disposto a esperar tanto, chegue a pagar 20% a mais, por um avião usado. 

Um fabricante alega: "Hoje, o que mais nos deixa insatisfeitos é não ter a aeronave para entregar no prazo que o cliente precisa. Quando eu falo em 15 meses de espera, a primeira reação do cliente é procurar uma alternativa, como comprar uma usada e depois voltar para pegar a nova". A clientela é composta de empresários e executivos, principalmente do agronegócio, profissionais liberais e celebridades, pessoas que "precisam de deslocamento rápido e com certa privacidade". 

Evidentemente que não se tem nada contra a compra de aviões particulares, desde que se faça dentro da lei, contribuindo com os devidos impostos. Quem pode e precisa que compre. Até mesmo porque a maioria dos aparelhos é para uso no trabalho, movimentando a roda da economia e, como se diz, "gerando renda e emprego". 

O problema é que há outras filas menos charmosas. Como o país retornou ao mapa mundial da fome, o noticiário tem informado sobre a "fila do osso". Impossibilitados de comprar carne, cujo preço está nas alturas, milhares de pessoas ingressam em filas para ganhar ossos descartados pelos açougues e frigoríficos. Há também as filas de espera pelos caminhões de lixo. Uma senhora dizia ao repórter: "Quando o caminhão chega, a gente tem que ser rápido para pegar. Tem que correr para dentro da caçamba. Os garis não podem dar na nossa mão porque é o trabalho deles. O pão de cada dia quem me dá é o lixo. Todo dia, meus filhos e eu vamos para o lixo, para comer". Na república miliciana do deus acima de todos, as coisas estão assim. Mas "agro é tudo", apregoa-se na televisão. 

No mundo civilizado, porém, até os muito ricos preocupam-se com a desigualdade social extremada. Já em 2003, Warren Buffet, então o segundo homem mais rico do mundo, incomodava-se pelo fato de pagar, proporcionalmente, menos imposto do que os seus funcionários. Dizia ele: "O sistema tributário se inclinou para os ricos e se afastou da classe média. É trágico, não acho adequado. Isso deve ser resolvido". 

Na semana passada, o senador estadunidense Ron Wyden apresentou um projeto visando amenizar essa distorção. Ao mesmo tempo, o grupo de países do chamado G20 está criando um imposto global sobre as receitas das multinacionais, a partir de 2023. Vejamos como isso repercutirá entre nós. A justiça tributária e salarial pode eliminar a fome e tornar a sociedade menos desigual. [email protected]

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