Alguns terão sorte, mas nem todos terão tempo para despedidas na porta do CTI

Fernanda Vargas

 

Desde março de 2020, muitos conhecidos já ficaram na sala de espera de uma UTI ou de um CTI, esperando notícias de um parente querido internado com covid-19. Grande parte destas pessoas que conheci disseram que mudaram suas vidas após esta experiência. Literalmente, viram que a vida realmente é uma só e que, muitas das vezes, não terão tempo para se despedir de quem amam e muito menos para pedir perdão. Quem teve a sorte de se recuperar viu que a vida é muito frágil para não serem gratos agora. Seja a pessoa que se recuperou da covid e teve mais uma chance na vida, seja o parente que ficou dias na porta do hospital, a maioria destas pessoas, possivelmente, aprendeu que a vida é curta demais e que precisam amar mais, reclamar menos e agradecer sempre.

A sala de espera da UTI é um local onde todos os dias, num horário fixo, várias famílias passam a se conhecer, trocam suas histórias, seus lamentos e medos. Viram uma grande família, uma torcendo pela melhora do familiar alheio; e isso é muito mágico, pois demonstra como o ser humano, no momento da dor, torna-se tão companheiro, compreensível e prestativo.

Em fevereiro deste ano, minha mãe, Maria Eni Vargas, ficou por quase 30 dias dentro de um hospital. É simplesmente aterrorizante como uma pessoa saudável chega a ficar totalmente inválida em uma cama após ter covid na forma grave. Somente quem trabalha na área de saúde ou quem presenciou algum parente no leito de um hospital, por causa da covid, sabe exatamente do que estou falando. A pessoa perde simplesmente seus movimentos, suas forças e se torna incapaz de se colocar em pé, por alguns minutos, sem precisar de oxigênio e ajuda. É inimaginável o que este vírus faz com um ser humano.

Nesses quase 30 dias que estive diariamente no hospital para ter notícias da minha mãe, eu conheci a porta da tristeza e da dor. Essa porta dá acesso aos leitos da UTI ou CTI. Após um parente passar por esta porta, entrando, pode acontecer, infelizmente, de ser a última vez que você o verá.

Presenciei, nestes dias no hospital, muitos filhos não conseguirem se despedir de seus pais. É muita dor num único local. Tudo acontece tão rapidamente que as pessoas não têm tempo de assimilar nada ‒ como um filho que não conseguia compreender como o pai, com apenas 50 anos e que alguns dias atrás estava cuidando da roça, poderia estar morto; como uma mãe, que estava em casa, feliz e saudável, em apenas quatro dias estaria entubada. Conheci uma pessoa incrível que perdeu, num único mês, o sogro e a mãe; e um dos casos que mais me chocou foi de um senhor de mais de 80 anos  que chegou aflito ao hospital, pois sua mulher havia chegado minutos antes de ambulância e ele disse: “Eu só queria me despedir”... E é a mais dura realidade: não dá tempo de nos despedirmos. Poucos terão a sorte de reencontrar o ente querido. 

Diariamente, na sala de espera por notícias, você vê a fragilidade humana de perto, você presencia o amor, a gratidão e o lamento daqueles que choram dizendo: “Por que eu não dei apenas mais um abraço? Por que eu não o visitei só mais uma vez? Por que eu não me desculpei? Por que eu perdi tanto tempo discutindo por coisas que agora não têm nenhum valor?”. É um verdadeiro drama emocional. Nesta sala de espera, sempre alguém terá uma notícia desagradável, como uma piora, um entubamento, uma perda...

A porta da tristeza e da dor da UTI às vezes se torna a porta da esperança, e eu fui uma das pessoas que presenciou esta porta se abrir. No dia em que minha mãe saiu do CTI, mesmo sem conseguir andar, eu me senti abençoada. Foi triste sair daquele andar do hospital deixando para trás vários filhos que ainda ficariam dias ou semanas seguidas na sala de espera olhando por algumas horas a porta da dor e da esperança.

Mas toda dor tem seu ensinamento, e foi com tamanha dor que aprendi muitas coisas. Uma delas foi que, se você quer mudar algo em você, precisa ser agora, pois não existirá outra chance. Nem mesmo na única certeza que temos, que é a vida atual, não se pode ter certeza alguma, não existe garantia de que você terá ainda mais dez anos para realizar seus sonhos, para concluir seu curso, para se casar, para mudar de emprego, para fazer as pazes ou para pedir perdão.

 Você não precisa perder quem você ama, como marido, filhos, amigos e parentes, para se lamentar eternamente devido ao remorso e ao sentimento de culpa. A gratidão significa ser grato, ser agradecido pelo que fizeram por você ou para você. E temos que ser gratos em vida. “Os mortos recebem mais flores do que os vivos porque o remorso é mais forte que a gratidão” (Diário de Anne Frank).

A vida é muito curta para viver discutindo, para viver brigando com os pais e irmãos. A vida é muito curta para viver reclamando de tudo e de todos, a vida é curta demais para culpar eternamente alguém pelas suas frustrações. A vida é muito curta para não ser feliz agora.

"Enquanto essa vacina tão esperada não chega para todo mundo, é bom lembrar que contra o preconceito, intolerância, a mentira, a tristeza, já existe vacina: é o afeto, é o amor. Então, diga o quanto você ama a quem você ama. Não fique só na declaração, não, gente. Ame na prática, na ação. Amar é ação, amar é arte" Paulo Gustavo.

 

 

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