A saciedade é um tédio terrível

O texto da coluna desta semana aborda um tema sugerido por uma seguidora da coluna. Sobre a complexidade das relações disfuncionais e consequência delas.

Não fica difícil abordar o tema, visto que o número de divórcios e dissoluções de união estável no Brasil crescem de forma assustadora. No capítulo I do livro “Noite na taverna”, clássico do autor Álvares de Azevedo, nos recorda em dado relato que:  “A vida não é mais que a reunião ao acaso de moléculas atraídas: o que era o corpo de mulher vai porventura, transformar-se num cipreste ou numa nuvem de miasmas; o que era um corpo do verme vai alvejar-se no cálice da flor ou na fronte da criança mais loira e bela”.  O que nos remete às escrituras sagradas, que também nos convence de forma análoga ao texto extraído, que do pó viemos e para ele voltaremos. Tudo isso para nos recordar sobre o sopro do tempo, da limitação sofrida e da eternidade que em nós será posto à prova, daquilo que realmente alimentamos nos dias em que o Criador nos confiou na terra. Assim rememoramos que o mínimo de sabedoria é nos mantermos humildes. Platão, Salomão e nomes de grandes mentes e fortunas, estiveram entre nossos antepassados e ou até entre nós, mas também ao pó retornaram. A inteligência ou a riqueza não foram suficientes para alterar a passagem deles na Terra. Portanto, tudo aquilo que alimentamos, seja o materialismo, o ceticismo, seja a bondade, generosidade ou o egoísmo e o orgulho, a coragem ou a covardia, nos tornaremos . Digo isso porque a partir do que nos tornamos as nossas relações são regidas. Na pg.23 da mesma obra tem o seguinte registro: “Um dia ela partiu; partiu mas deixou-me os lábios ainda queimados dos seus e o coração cheio de gérmen de vícios que ali lançara. Partiu, mas sua lembrança ficou como o fantasma de um mau anjo perto do meu leito. Quis esquecê-la no jogo, nas bebidas, na paixão dos duelos. Tornei-me um ladrão de cartas, um homem perdido por mulheres e orgias, um espadachim terrível e sem coração”. Esse trecho me remeteu à responsabilidade que cada um carrega consigo mesmo ao término de um relacionamento. Ao invés de reivindicarmos a tão importante responsabilidade afetiva, precisamos ser auto responsáveis com as consequências de relacionamentos fracassados. Me assusto quando vejo pessoas culpando ao seu cônjuge ou ex-cônjuge, acusando dos males e fracassos da relação, como se o outro fosse obrigado a estar nivelado com o momento parasita, oportunista ou até mesmo acomodado em que um deles se encontram.  Na mesma página, vem o trecho que me exortou, dizendo : 

“Não era amor, de certo, o que eu sentia por ela- não sei o que foi- era uma fatalidade infernal. A pobre inocente amou-me, e eu, recebido como hóspede de Deus sob o teto do velho fidalgo, desonrei-lhe a filha, roubei-a, fugi com ela... E o velho teve de chorar suas cãs manchadas na desonra de sua filha, sem poder vingar-se. Depois enjoei-me dessa mulher. A saciedade é um tédio terrível. Uma noite que eu jogava com Siegfried, o pirata, depois de perder as últimas joias dela, vendi-a, A moça envenenou Siegfried logo na primeira noite, e afogou-se.”

Quando li a frase: “a saciedade é um tédio terrível”,  ela ficou latente em minha mente. 

Ele não a amava, ele tinha uma dívida moral com o pai dela, ele por razões diversas se inseriu neste relacionamento, fosse por carência, por expectativa frustrada, por solidão ou necessidade de se auto estabelecer, ou até mesmo a pressa de acertar. A verdade é que TODOS somos capazes de fazer aquilo que condenamos. Fato é que quem ama não trai, quem ama não espera ser completado porque já está completo, mas se encaixa pra viver leve. O amor não fraciona, não divide, não é freio de crescimento, não é baú de críticas derramadas no intuito de desmotivar. A vida deveria vir com um manual no qual somente os maduros entenderão a frase: “SEM SEGURANÇA, SEM ENTREGA”.  E o que dissemina segurança? O tempo rege as melhores histórias em razão da paciência e da dedicação ser alguns de seus pilares. É preciso estar disposto a dedicar, contudo, atropelar etapas é um atalho ao fracasso. 

Segurança se remete a construção sólida e toda construção precisa de investimento de tempo. 

Concluo que quando o que foi investido não foi o suficiente e o tempo externa saldo negativo e já não há disposição no resgatar, o que cada um deve fazer é em sua responsabilidade ter a hombridade de sair sem causar maiores estragos. Que se posicionem com o caráter irrefutável e com a mesma ânsia que possuem energia para se direcionarem ao novo. Casamentos não foram feitos para acabar, mas quando as razões se perderam por ausência do amor e do respeito, dos projetos e etc, o que pode ser inserido é o respeito por si mesmo em ao fechar um ciclo, ter a dignidade de encará-lo e rompe-lo com altruísmo e decência. E os filhos? Não existe ex-filho, então cabe a cada um exercer com responsabilidade a beleza da paternidade e ou maternidade com seus ônus e bônus, inerente a relação deixada para trás. Para que o sol seja visto a prumo no céu é preciso posicionamento. Do contrário, os dias passam nublados, e eles meus caros leitores, eles são raros e para todos nós, pois são contados de forma uniforme no calendário de Deus.       

 

Por Flavia Moreira. Advogada, pós-graduada em Direito Público, Direito Processual Civil, pelo IDDE em parceria com Universidade Coimbra de Portugal, ‘IUS GENTIUM CONIMBRIGAE, especialista em Direito de Família e Sucessões, associada ao IBDFAM e membro do Direito de Família da OAB/MG.

 

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