A renúncia sucessória no pacto antenupcial

Flávia Moreira

A vida, os bens, tudo pertence à morte. 

“Se Deus quiser... 

Por mais detalhado e seguro, tenha seus planos. Eles irão além da sua expectativa, e isso requer preparo para a nova realidade, seja ela qual for.” 

Contudo, devemos ser conselheiros e não ditadores.

Nós, operadores do Direito, sabemos o quão urgente se faz a reforma do nosso Código Civil, principalmente no que tange ao Direito Sucessório. Lamentavelmente, o Direito não consegue acompanhar as evoluções, os anseios sociais e as novas formas de relacionar, em especial na seara familiar. Diante de tal realidade, cada vez mais tem ganhado respaldo a necessidade do afastamento do direito concorrencial em contrato de convivência ou pacto antenupcial, retirando o companheiro ou cônjuge da herança quando em concorrência com descendentes e ascendentes. Doutrinadores de suma relevância têm recebido apoio para que a possibilidade de cláusulas dessa natureza sejam inseridas validamente em contratos. Sabemos que vivemos num país onde o modelo familiar está cada vez mais moisaco. Diante do contexto, pessoas que já atravessaram um divórcio demonstram insegurança no momento de se relacionarem novamente, tendo em vista que seus patrimônios ficam cada vez mais vulneráveis às novas relações.  

Casais que optam por um novo casamento geralmente se sentem mais seguros e atraídos pelo regime de separação total de bens, intencionalmente buscando preservar os bens adquiridos e, especialmente, resguardando os direitos dos filhos do casamento anterior. Assim, pensam que na vida estarão blindando seus patrimônios em caso de uma nova ruptura. Na vida, em caso de divórcio, sim, mas na morte, NÃO. Na morte, o cônjuge ou companheiro se torna concorrente na herança com os descendentes. 

Daí, a necessidade da reforma no Código Civil, que aponta a impossibilidade de validade de cláusula antenupcial no que tange a renúncia ao direito concorrencial que é nula por contrariar a norma inserida no art. 426, a qual proíbe a contratação de herança de pessoa viva. Contudo, manifesto minha compreensão de que a renúncia ao direito concorrencial em pacto antenupcial e em contrato de convivência quando o casal em comum acordo desejam afastar a participação na herança um do outro quando em concorrência com seus filhos de relacionamento anteriores. Acredito não estar infringindo o art. 426, do Código Civil, se tornando possível e eficaz tal cláusula, visto que o art. 1639 do mesmo código disponibiliza aos nubentes, antes de celebrarem o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhe aprouver. Ainda, no parágrafo 2 do mesmo artigo, fornece ao casal a possibilidade de alterar o regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivados pelo casal, apurando a procedência das razões invocadas e ressalvando os direitos de terceiros. Não seria essa uma possibilidade de alinhar a situação dos casais que não se sentem confortáveis com a legalidade da legislação, determinando para onde seu patrimônio deve ir? Ademais, constatamos que renúncia não é contrato, não há contraprestação, portanto, renunciar um direito de concorrência jamais se enquadrará aos argumentos que têm impulsionado a proibição de tal ato.

Assim, se faz necessário rever o respaldo para que seja restabelecido o princípio da autonomia privada no direito das famílias, promovendo maior liberdade para o cidadão se sentir seguro no momento de estabelecer novas relações e administrar de maneira coerente com a sua realidade a distribuição dos bens que com o suor do seu esforço e até possível herança, recebeu e construiu acreditando ser a melhor maneira de promover segurança para sua descendência. 

Celebremos a paz antes da tragédia.

 

 

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