A PROSA POÉTICA: ONDE ESTÁ A POESIA?
Na coluna anterior discutíamos sobre o leitor brasileiro e a experiência negativa com a leitura despreparada dos cânones da nossa literatura nas escolas e de como me maravilhei ao reler, agora, o livro Iracema, de José de Alencar.
Surpreendi-me com a prosa poética do autor romântico. O romance tem páginas com textos muito líricos, utilizando conhecimentos da cultura Tabajara (indígenas do tronco Tupi), com um fino regionalismo na narração da natureza do Ceará e metáforas poéticas, como podemos verificar neste pequeno trecho do capítulo 08 do romance Iracema:
A alvorada abriu o dia e os olhos do guerreiro branco. A luz da manhã dissipou os sonhos da noite, e arrancou de sua alma a lembrança do que sonhara. Ficou apenas um vago sentir, como fica na moita o perfume do cacto que o vento da serra desfolha na madrugada.
Suaves versos nesta prosa, não?! Pois é, hoje vamos conversar um pouco sobre a prosa poética.
A Poética afirma que a poesia se distingue da prosa pelo formato do texto (sua estrutura, a divisão em estrofes com versos), seu ritmo, suas possíveis rimas e, sobretudo, os temas tratados não com um discurso objetivo, e sim através de imagens, com conotação lírica, sensibilidade e espanto frente às coisas do mundo externo e interno do poeta.
Mas com o romantismo e o modernismo, a poesia tomou dimensões mais diversificadas, podendo até ser prosa poética.
Grandes poetas no século XIX criaram este novo gênero híbrido: Charles Baudelaire, Walt Whitman, Arthur Rimbaud, Stephan Mallarmé, Ezra Pound. No modernismo brasileiro temos Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector, Manoel de Barros, Mário Quintana e entre os pós-modernos, Leminsk, José Paulo Paes, Cacaso, Torquato Neto, Roberto Piva e outros. Podemos então encontrar no nosso maior poeta, Carlos Drummond, o poema “Declaração do amor”:
Minha flor minha flor minha flor. Minha prímula meu pelargônio meu gladíolo meu botão-de-ouro. Minha peônia. Minha cinerária minha calêndula minha boca-de-leão. Minha gérbera. Minha clívia. Meu cimbídio. Florflor flor. Floramarílis. Floreanêmona. Florazálea. Ciematite minha. Catleiadelfínio estrelítzia. Minha hortensegerânea.Ah,meunenúfar.Rododendro e crisântemo e junquilho meus. Meu ciclâmen. Macieira-minha-do-japão. Calceolária minha. Daliabegônia minha.
Forsitiaíris tuliparrosa minhas.
Violeta…Amor-mais-que-per
feito. Minha urze. Meu cravo
-pessoal-de-defunto.Minha corola
sem cor e nome no chão de minha morte.
Em nossa região encontramos também poetas que vislumbram a a poesia em seus textos de prosa, reafirmando a discussão de que quase não dá mais para separar a prosa da poesia. Leia o miniconto abaixo do autor Vivaldi Brandão (da cidade de Bom Despacho/MG), do seu livro “Mínimoscantos”. O conto tem o título “A Horta”:
A horta era o ponto de equilíbrio do quintal Ficava no fim do olhar saindo da cozinha descendo reto uns trinta metros onde moravam as couves as taiobas as cebolinhas as violetas e os beijos roubados.
Digam, se não é pura poesia?
*Em tempo: Na coluna passada falei do cinema divinopolitano no cenário internacional em 2023, esquecendo-me do longa metragem de animação PLACA MÃE do Igor Bastos e Elisa Guimarães, que foi premiado em importantíssimos festivais ao redor do mundo (Lisboa, Madri, Barcelona, Nova York, entre outras).