A cada 24 horas, uma mulher sofre violência em Divinópolis

Levantamento mostra 1.120 casos registrados em 37 meses; lei municipal garante cirurgias reparadoras às vítimas

 

Bruno Bueno

Todos os dias, pelo menos uma mulher é vítima de violência doméstica e familiar em Divinópolis. É o que indica um levantamento feito com exclusividade pelo Agora na tarde de ontem. Os números da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp) apontam 1.120 casos registrados entre janeiro de 2019 e fevereiro de 2022 na cidade. A média é de 0,97 casos por dia. 

A situação fica ainda mais alarmante quando os dados de todos os municípios da região são analisados. Segundo relatório estatístico da Polícia Civil sobre violência doméstica e familiar contra a mulher, a Região Integrada de Segurança Pública (Risp) de Divinópolis, que comporta os municípios do Centro-Oeste, registrou 8.843 casos durante o ano de 2019 e 8.400 casos em 2020. A média é de 24 casos por dia.

 

Feminicídios

A reportagem também analisou o número de feminicídios consumados e tentados em Divinópolis. Os números da Sejusp apontam para 10 casos nos últimos três anos. Foram duas tentativas e oito mortes contabilizadas.

Em 2019, a morte de J.F., de apenas 23 anos, chocou a população pela crueldade. Segundo informações apuradas, a vítima foi morta pelo próprio marido, N.M., de 24 anos, após negar ter relações sexuais com ele, que teria usado uma faca para golpear o pescoço da mulher. 

Divinópolis também foi palco de mais um crime bárbaro em setembro do ano passado. M.A.S, de 49 anos, foi assassinada dentro de sua casa. Os relatos preliminares apontaram que o ex-companheiro a empurrou dentro do banheiro. Testemunhas afirmam que a vítima se desequilibrou, caiu e bateu a nuca no vaso sanitário.

Minas Gerais registrou, segundo a Sejusp, 1.096 feminicídios nos últimos 37 meses. Isso significa que pelo menos três mulheres são vítimas do crime todos os dias no estado. Neste ano já foram dez mortes e 38 tentativas.

 

Sequelas

A violência contra a mulher deixa sequelas psicológicas e físicas nas vítimas. Estudos apontam que os traumas vivenciados podem ser fator chave para o desenvolvimento de doenças como ansiedade, depressão e outras. 

A Lei Federal nº 13.239, sancionada pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) em 2015, garante a gratuidade de cirurgia plástica reparadora de sequelas de lesões causadas por atos de violência contra a mulher. 

No entanto, muitas vítimas não são orientadas sobre a possibilidade. Nesse sentido, a vereadora Lohanna França (PV) apresentou um projeto de lei na Câmara para obrigar a divulgação do serviço em hospitais e serviços de saúde em Divinópolis. A proposta foi aprovada por unanimidade e sancionada nesta semana pelo prefeito Gleidson Azevedo (PSC).

— Ficam os hospitais e serviços de saúde públicos do município de Divinópolis obrigados, ao receberem mulheres vítimas de violência, a informá-las sobre a possibilidade de acesso gratuito à cirurgia plástica para reparação das lesões ou sequelas de agressão comprovada — diz o artigo 1º da lei.

 

Divulgação

Ainda de acordo com o texto, a divulgação da informação deve ser feita de forma verbal e escrita. A cirurgia é feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

— O serviço será descrito pelos atendentes dos hospitais e serviços de saúde e também por meio da afixação de cartaz em local visível a um maior número de usuários, contendo a informação de que a mulher vítima de violência tem direito a cirurgia plástica reparadora de sequelas de lesões causadas por atos de violência contra a mulher, conforme determinação da Lei nº 13.239/15 — diz o parágrafo 1º.

Hospitais e serviços de saúde públicos de Divinópolis que descumprirem a lei estão sujeitos a penalidades como multa, perda de função pública e interdição. O cartaz deve ser afixado em no máximo 10 dias a partir da publicação da norma.

— [outra penalidade:] proibição do responsável pelo hospital ou centro de saúde de contratar com o poder público e de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de quatro anos — consta o inciso 3º do artigo 2º.

— As penalidades serão aplicadas após fiscalização do Executivo —ressalta o texto. 

Elas podem ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa. A reincidência ou omissão do estabelecimento também deve ser avaliada.

— Os recursos provenientes da arrecadação da multa prevista no inciso I poderão ser aplicados em campanhas educativas de combate à violência contra a mulher — conclui.

 

Motivos

A assistente pública social, A. F., chamada assim para preservar sua identidade, presencia casos de violência doméstica contra a mulher diariamente em seu trabalho. Para ela, a certeza da impunidade e a fraqueza das leis são os motivos que levam ao aumento dos registros.

— Nos últimos anos foi possível observar um aumento do empoderamento feminino com campanhas que incentivam a denúncia e o abandono do criminoso. Mesmo assim, nós ainda vivemos em uma sociedade machista com indivíduos que não temem as leis feitas para punir infrações desse tipo. Eles sabem que não vai dar em nada, por isso fazem — afirmou.

Apesar das campanhas que incentivam as denúncias contra agressores, diversas vítimas ainda preferem preservar os companheiros.

— Muitas mulheres ainda têm medo de denunciar o agressor. Algumas, inclusive, não têm para onde ir. Como vão fazer com os filhos, por exemplo? Isso atrapalha muito e possibilita a impunidade do agressor — afirma.

 

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