‘Palco de ódio e preconceito’, dispara Lohanna sobre audiência pública

Evento lotou Câmara Municipal; Eduardo Azevedo, à frente da pauta, declarou que vereadora mente sobre o assunto

Bruno Bueno

O assunto que tomou conta da reunião da Câmara de ontem não poderia ser outro. A audiência pública, que lotou o Plenário do Legislativo nesta semana, dividiu opiniões e esquentou os ânimos durante os discursos. O evento, solicitado pelo vereador Eduardo Azevedo (PSC), discutiu a proibição de banheiros, toaletes e vestiários “multigêneros” ou “unissex” em Divinópolis. Durante o encontro, diversos políticos falaram sobre outro projeto, assinado pela vereadora Lohanna França (PV), que cria a Política Municipal de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Queer, Pessoas Intersexo e Assexuadas (LGBTQIA+). Lohanna disse que o evento foi “palco de ódio e preconceito”.

Além dos envolvidos diretamente, o vereador Roger Viegas (Republicanos) também falou sobre o assunto. 

‘Algazarra’

Lohanna argumenta que a audiência pública desrespeitou o Regimento Interno da Câmara e feriu outros direitos constitucionais.

— Vou falar sobre o assunto que todo mundo quer que eu fale. A Câmara ontem virou uma algazarra. A resolução 552 de 2019 define o rito das audiências públicas do Legislativo. Ela  foi rasgada e desrespeitada por pessoas que, bancadas com dinheiro público, se sentiram capazes de desrespeitar o regimento através da resolução. Ontem, a Câmara virou palco de preconceito e ódio — afirma.

Ela também justificou o motivo de sua ausência no encontro.

— O plenário foi emprestado para uma audiência pública que tinha como intuito discutir o projeto CM 235 de 2021. (...) Ele não é da minha autoria. Qualquer projeto meu que seja alvo de audiência terá minha presença para discutir, mas o projeto não era da minha autoria. O meu projeto, citado mais de uma vez no encontro, dispõe sobre outro assunto e está estabelecido pela política estadual e nacional. Políticas e leis que já existem independente da vontade dos vereadores dessa Casa ou não — disse.

Políticas públicas

A vereadora voltou a dizer que seu projeto não permite a instalação de banheiros unissex na cidade, mas, sim, estimula políticas públicas para a população LGBTQIA+.

— É importante dizer que, mesmo se meu projeto não for autorizado nesta Casa, como o prefeito disse que irá vetar, a política já existe e as pessoas já são reconhecidas pelo governo há muito tempo, gostem as pessoas que aqui estavam ou não. Até a própria Prefeitura organizou um webinário maravilhoso que teve como convidada uma médica especialista  na saúde de crianças e adolescentes LGBT — relata.

Ela citou o exemplo de Belo Horizonte, que tem ações voltadas e planejadas para essa população específica.

— BH possui ambulatório especializado para pessoas trans e é para lá que Divinópolis recorre. A cidade já atende essas pessoas, mas poderia atender melhor. É isso que meu projeto propõe, especialmente de pessoas trans que dependem do processo de transsexualização, mas que precisam ir para BH, já que o atendimento só acontece lá e de forma gratuita, porque já foi pago com nossos impostos, inclusive pelas pessoas que estavam aqui ontem se revoltando com o projeto — pontua.

‘Falta de respeito’

O professor e presidente do Conselho Municipal de Educação, José Heleno Ferreira, foi o único defensor do projeto que compareceu na audiência. Lohanna disse que ele foi humilhado publicamente e cobrou explicações para o Legislativo.

— Eu fiquei muito decepcionada com tamanha falta de respeito da Câmara. Ficou provado que ninguém queria debater. Veio um professor para tentar debater e ele foi achincalhado e precisou sair dessa noite de ódio e preconceito escoltado pela segurança da Casa. Isso mostra claramente que a intenção não era debater — enfatiza.

Segundo Lohanna, a atual legislatura está lotada de políticos que querem “surfar” na onda de polêmicas que envolvem seu nome. Por fim, ela se direcionou à população a que o projeto se tratava.

— Quero encerrar o mês do orgulho parabenizando a Prefeitura que não deu palanque para tanto ódio e preconceito e organizou vários eventos maravilhosos para discutir a saúde da população LGBT. (...) O direito não está aí para ser julgado pelas pessoas que disseminam o ódio. (...) Parabéns à população LGBT por insistirem. O cenário é de ódio, mas disse e vou repetir: (...) tenhamos coragem. Isso vai passar — ressalta.

‘Mentira’

Em seu pronunciamento, Eduardo Azevedo rebateu as críticas. Para ele, a vereadora mente.

— A vereadora [Lohanna] disse que, após a audiência, o professor teve que ser escoltado pela Polícia. Os seguranças estão de prova que não houve nenhum momento em que ele precisou ser escoltado. Pelo contrário, ontem tivemos uma discussão civilizada, onde as pessoas respeitam o professor. Embora eu não concorde com os posicionamentos dele, quero parabenizar pela coragem. Ele foi convidado e compareceu — detalha.

Ele também criticou o fato da vereadora não ter comparecido no evento.

— Várias pessoas do movimento LGBT foram convidadas e não compareceram. Quando a gente fala de representatividade é sobre ir com o público até o final. (...) Nossa preocupação sempre vai ser com as crianças. Nós soubemos desse webnário e, para deixar claro, não somos contra nenhum tipo de nada, falamos isso daqui ontem — elenca.

Webnário

Eduardo destacou que o webnário citado por Lohanna não abordou, segundo ele, temas LGBT para crianças.

— Nós enviamos um ofício para Semusa e o secretário nos respondeu dizendo que “não houve abordagem direcionada especificamente para o público infantil tanto ess temática quanto em outras da programação”. Houve webnário, mas não teve sequer abordagem infantil com esse assunto, porque ele não deve ser tratado com crianças — explica.

O grande número de pessoas que comparecer à audiência também foi citado pelo vereador do PSC.

— A audiência pública é para ouvir as pessoas. Ouvir o que o divinopolitano quer. Me chamou atenção que alguns julgaram que a audiência não era importante. Quem dá relevância a uma audiência não é o político, mas, sim, a população. O Edson [Sousa, vereador líder do governo que presidiu a audiência] disse ontem que a audiência foi histórica. A Casa encheu. (...) Se não fosse relevante, eles não estariam aqui — enfatiza.

Críticas

Roger Viegas, que não compareceu no evento, também falou sobre a audiência. Ele respondeu as críticas direcionadas aos vereadores que não estavam presentes. 

— A Câmara é dividida em diversas comissões e eu não faço parte da Comissão de Segurança Pública que estava aqui ontem. Quero discutir o desenvolvimento da nossa cidade. (...) Me chamou atenção um cidadão que não sabia onde a maioria dos vereadores estavam. No mesmo horário, você pode olhar na rua Braúnas, Jardinópolis, e vai descobrir ontem eu estava — acrescenta.

O parlamentar argumenta que, em seus dois mandatos, sempre esteve presente nas reuniões do Legislativo.

— Ele questionou onde os vereadores estavam e ainda indagou como se os vereadores não pudessem ter outro trabalho. O vereador tem a obrigação de estar presente e, ainda assim, pode faltar com justificativa nas reuniões e audiências. Eu estou há 5 anos e meio e só faltei duas vezes — esclarece.

Por fim, Roger questionou porque o morador não compareceu a outras audiências públicas do Legislativo.

— Onde ele estava quando houve audiência pública do lixão do Quilombo? E da Lei Orçamentária? E da destinação de emendas? Da lei da poluição? Eu não vi ele na hora de debater outros temas, mas estava aqui para debater outros que, talvez, não são relevantes para nossa população —  finaliza.

Outras participações

Em seu discurso durante a audiência, o prefeito Gleidson Azevedo (PSC) reconheceu a importância da audiência em “defesa da família”. Em referência à fala de seu irmão,  ele reforçou que “política, para nós, não é profissão, é missão de Deus”. Antes de encerrar, antecipou aos presentes que, mesmo se aprovado pela Câmara, ele não sancionará o projeto. 

— Vocês estão achando que o prefeito vai sancionar um projeto desses? (...) Se for contra a família, está vetado — garantiu Gleidson, sob aplausos.

Convidado a integrar a audiência, o vereador da Câmara de Belo Horizonte, Nikolas Ferreira (PL), também se fez presente. Ele, que citou “não ser fácil se colocar contra questões progressistas”, disse que o projeto não fere apenas "questões morais, mas é ilegal e inconstitucional".

— O projeto altera a estrutura administrativa, por isso é de competência do Executivo, não do Legislativo. Antes dela lacrar, ela [Lohanna] deveria ler a Lei Orgânica — citou. 

Ele acrescentou que a proposição gera gastos para o Executivo e os vereadores não podem criar despesa orçamentária para a Prefeitura. Sobre o tópico dos banheiros, o argumento foi o mesmo dos demais colegas. Para ele, a política pública proposta é um "privilégio" e não um direito, uma vez que todos devem ter acesso assegurado à saúde. 

— Uma outra pessoa, talvez um estuprador, pode fazer uso dessa brecha. (...) Estão colocando um potencial estuprador dentro do banheiro feminino. (...) O banheiro não diz respeito à identidade de gênero, mas à diferenciação biológica — concluiu. 

 

 





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