[CRÔNICAS DEMOCRÁTICAS] Política é feita de transparência e interesse público

A quem interessa retardar, até depois das eleições, investigações de suspeitas de irregularidades feitas por CPIs da Câmara de Divinópolis?

Márcio Almeida Jr.

Está na Câmara Municipal a proposta de suspender, até que sejam realizadas as eleições, o trabalho das comissões parlamentares de inquérito (CPIs) que investigam irregularidades como as suspeitas de superfaturamento e dano aos cofres públicos em compras de material e equipamento feitas pela Secretaria Municipal de Educação. A proposta, como se noticiou, é articulada por um colégio formado pelos líderes dos partidos que estão representados no plenário. Dela se pode dizer que é não só contrária ao papel constitucional e legal do Legislativo como também danosa ao eleitorado, para não dizer que passa longe do interesse público e de qualquer atitude minimamente tolerável em matéria de ética.

Transparência

Tal proposta, antes de mais nada, fere o ordenamento jurídico. Uma das mais importantes funções da Câmara de Vereadores é o seu papel de fiscal do Executivo e de tudo que diga respeito ao interesse público no nível do município. Tais funções estão na Constituição, na Lei Orgânica e em outras disposições legais amplamente conhecidas. E não há nenhum mandamento constitucional ou legal determinando que investigações feitas por CPIs ou a divulgação de suas conclusões deixem de ser realizadas durante o processo eleitoral. Este processo não pode, como é óbvio, interromper a prestação de serviços públicos essenciais à população como a educação, a saúde, o transporte e outros. Nem pode, por conseguinte, impedir a investigação que eventualmente se faça a respeito de suspeitas de irregularidades verificadas nestes serviços, sobretudo quando — como na CPI da Educação — já se avizinha o prazo previsto para apresentar conclusões. Não está, pois, baseada em disposição do ordenamento jurídico a proposta de suspender investigações em curso ou a apresentação de seus resultados.

O inverso é verdadeiro: tal proposta afronta o princípio constitucional de transparência como regra de atuação do poder público. Tal princípio, como é evidente, existe para garantir o acesso dos contribuintes à informação socialmente relevante. Como toda afronta à Constituição, a tentativa de interromper investigações em andamento ou de retardar conclusões já disponíveis sujeita os vereadores que a defenderem a serem apontados, perante o Ministério Público, como perpetradores de inconstitucionalidade lesiva à sociedade. O raciocínio é simples. Se há suspeitas envolvendo serviços ofertados pelo poder público, e se é papel constitucional e legal do Legislativo investigá-las, retardar as investigações ou a divulgação de eventuais irregularidades nelas eventualmente constatadas — medidas que podem ajudar a sanar eventuais problemas — é contribuir para que perdurem situações que podem estar lesando o interesse público. Seria como ter vereadores atuando ostensivamente contra a sociedade.

Interesse de quem?

Se não tem justificativa no âmbito do ordenamento jurídico, a suspensão de investigações em curso ou da divulgação de seus resultados também não se justifica quanto ao processo eleitoral. Assim, por exemplo, é o caso de perguntar a quem interessa omitir até depois das eleições o que se descobriu em compras suspeitas de superfaturamento feitas pela Secretaria Municipal de Educação. Ao eleitor e à eleitora, por certo, não interessa tal omissão, pois é de interesse do eleitorado conhecer os fatos apurados e a opinião dos parlamentares sobre eles. O povo tem o direito de saber o que pensam vereadores a respeito de temas como indícios de superfaturamento na Secretaria de Educação. E os vereadores, em nome do mínimo de ética indispensável para se fazerem dignos da vida pública, têm o dever de dizer o que pensam e, assim, dar ao eleitorado condições de avaliá-los enquanto parlamentares municipais e, em alguns casos, postulantes a cargos em outras esferas do Legislativo. Portanto, se há conveniência eleitoral em suspender investigações de irregularidades e a divulgação de seus resultados, ela não é do eleitor e da eleitora.

Sem base no ordenamento jurídico, o qual afronta, sem consideração pelo interesse público, que ignora, e sem conveniência para o eleitor e a eleitora, de quem tenta omitir fatos, a proposta de retardar a realização de investigações de suspeitas de irregularidades ou a divulgação de seus resultados em CPIs conduzidas pela Câmara de Vereadores de Divinópolis não deveria sequer merecer a atenção daqueles que, ao fim do mês, levam para casa subsídios públicos que passaram a receber no momento em que assumiram os respectivos mandatos: aquele momento decisivo em que se comprometeram a representar o povo e a seguir a lei, a ética e o interesse público no desempenho de suas funções.

Márcio Almeida Jr. é professor, escritor e analista politico do Agora.
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