[CRÔNICAS DEMOCRÁTICAS] Minha tão grande culpa

O colunista vem a público, sinceramente arrependido e disposto a mudar de vida, pedir perdão por um grave pecado que há anos vem cometendo

Márcio Almeida Jr.

Dou o braço a torcer e admito que há fundamento na acusação que vem sendo feita a mim ao longo dos anos. Alguns optaram por medir suas palavras para não me causar melindres. Outros puseram o dedo na ferida para me dizer sem papas na língua aquilo que pensam. E houve aqueles, no meio do caminho, que endureceram seu julgamento sem perder a ternura jamais.

Durante algum tempo, em uma espécie de estado de negação, atribuí as repetidas acusações a uma criação da mente fantasiosa dos meus acusadores. Depois passei a pensar que o problema estava na falta de empatia deles e não em mim. Finalmente me dei conta de que o errado sou eu, cabendo-me, pois, assumir a culpa, a minha tão grande culpa de produzir textões.

Sou culpado de artigos sobre política com dez páginas, que espantaram a jornalista Gisele Souto, minha gentil editora neste jornal. Sou também culpado de reportagens de igual tamanho e de crônicas que, esquecendo a hora de parar, seguem sozinhas pela estrada à fora, deixando para trás leitores sem ânimo para enfrentar a longa distância entre a primeira e a última linha.

Admito, ainda, a culpa por áudios de WhatsApp de 20 minutos, que até meus filhos ouvem no módulo de velocidade máxima. Arrependo-me dessa e de todas as outras manifestações da minha verborragia. E renuncio desde já ao pecado contra o Supremo Mandamento de falar e escrever pouco. Com a bênção dos monossílabos e a proteção do período simples, haverei de triunfar.

Antes, porém, de entrar em comunhão espiritual com o Minimalismo Linguístico, que me seja permitido lançar alguns alertas aos falantes e escreventes de boa vontade. Vigiai, apóstolos e apóstolas da concisão extrema, para que vossa virtude radical não degenere em vício. E percebei que as redes e mídias sociais, oráculos sagrados do textinho, tanto ampliam quanto limitam vossa comunicação.

Não permita Deus — inspirador dos 73 livros da longa Bíblia Sagrada, quatro dos quais contam a mesma história de modo diferente — que a frase cada vez mais curta encurte a capacidade expressiva que distingue o homo sapiens das demais espécies ou que os pequenos parágrafos terminem por apequenar o raciocínio. Sobretudo, não permita Ele que de redução em redução cheguemos aos pecados capitais da avareza verbal e da preguiça de pensar.

Confio, entretanto, em que a luz da síntese no final há de prevalecer sobre as trevas do palavrório. Por isso, ainda que eu ande pelo vale dos faladores, não temerei blá-blá-blá algum. Basta, porém, de desculpas e de alertas, pois estas linhas — valei-me, Nossa Senhora da Brevidade! — já somam vinte frases e sete parágrafos que ultrapassaram o tamanho de uma página.

 

Márcio Almeida Jr. é professor, analista político e, atualmente, aprendiz da arte de falar pouco.

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