[CRÔNICAS DEMOCRÁTICAS] Sobre o visitante e sua recepção (parte 1)

Algumas considerações sobre a passagem de Jair Bolsonaro por Divinópolis

Por Márcio Almeida

A visita do presidente Jair Bolsonaro a Divinópolis como candidato à reeleição trouxe questões pertinentes para pensar o modo como está transcorrendo a campanha eleitoral no município. Duas delas, sobre o comportamento da mídia e as expectativas de vitória do candidato surgidas no eleitorado local a partir do que se viu na visita, estão entre as que julgo merecerem análise. Ocupo-me hoje da primeira questão, ficando a segunda, sobre o que a visita ensina a respeito das perspectivas de vitória do candidato visitante, para a crônica de amanhã.

Conversando nas ruas ou interagindo nas redes sociais, ouvi nos últimos dias diversos questionamentos a respeito do que alguns julgaram ser um deslumbramento de algumas publicações da mídia local em relação ao visitante. Deixando de lado xingamentos como “jornalismo caipira” e “cobertura marrom”, que deixo de comentar por neles não ver argumentos e sim ataques gratuitos, julgo merecerem de mim uma resposta aquelas e aqueles que, ao dialogar comigo, apontaram em algumas das publicações feitas na internet o cruzamento da fronteira entre o registro jornalístico e a tietagem assumida. Também julgo merecerem resposta os que me disseram, às vezes de forma áspera, que, além de jornalisticamente inadequada, porque parcial na informação, essa suposta tietagem midiática poderia ser contestada no Judiciário por ferir o tratamento igualitário que a legislação obriga os veículos de mídia a dispensarem aos candidatos. Merece, ainda, ser respondido quem me apontou o que julgou ser uma espécie de apagão da dimensão crítica de algumas publicações jornalísticas que registraram, sem sequer um comentário, a atitude de mandatários do município que se deixaram gravar circulando sem capacete enquanto participavam da motociata de recepção ao visitante. E não deixarei de responder, naturalmente, a quem viu esse alegado apagão da consciência crítica no fato de que a maioria das publicações deixou de levantar questões relevantes, como questionar quem custeou o aparato da visita feita por Bolsonaro a Divinópolis, já que ele não veio como mandatário, mas como candidato, e o fez para tomar parte em atos que, como seu viu, tiveram caráter exclusivo de campanha eleitoral.

Não tendo nem procuração nem legitimidade para falar em nome dos veículos de mídia divinopolitanos, inclusive o Agora, a cuja equipe me orgulho de pertencer, posso apenas exercer a respeito das críticas que ouvi o meu constitucional direito de opinar. E minha opinião é a de que está havendo severidade excessiva por parte daqueles que fizeram os questionamentos que me foram endereçados, parte deles oriunda de pessoas que eu e a sociedade local respeitamos por sua inteligência e sua proeminência. É inegável que a quantidade de publicações feitas no feed de alguns perfis midiáticos nas redes sociais excedeu tudo o que se viu até aqui na cobertura local destas eleições, cabendo à Justiça, se for provocada, opinar a respeito. Também inegável é o tom de algumas transmissões feitas por meio de vídeos postados em stories, parte delas registrada sob um evidente clima de êxtase pouco condizente com as exigências da atividade jornalística que, se não deve negar a emoção, componente fundamental da vida, também não deve se entregar irrefletidamente a ela. Mas não creio que sejam justas suspeitas como as de que houve um deliberado viés tendencioso ou de que a overdose da cobertura sobre a visita tenha sido fruto de uma encomenda previamente feita por partes eleitoralmente interessadas. Essas são suspeitas sérias, lançadas sobre veículos que, em geral, têm primado pela tentativa de ser equilibrados. Desacompanhadas de quaisquer provas ou de mínimos indícios, tais suspeitas também podem ser, tanto quanto o criticado comportamento de parte da mídia na cobertura da visita, objeto de arguição judicial. São calúnias ou, na melhor das hipóteses, difamações.

Respondendo aos insistentes comentários que me foram enviados por redes sociais, digo que, sim, eu gostaria, enquanto leitor, de que, em nome do bom jornalismo em geral praticado em Divinópolis, houvesse mais questionamentos sobre quem pagou a visita do candidato, bem como sobre a legalidade desse pagamento, pois estas são questões pertinentes que leitores e leitoras atentos e inteligentes vão buscar na boa mídia. E não são questões privadas, mas de interesse público. Também gostaria de que houvesse análise mais clara sobre autoridades municipais aparecendo em vídeo enquanto trafegavam sem capacete de segurança sobre uma motocicleta, em flagrante estímulo ao desrespeito à legislação de trânsito em vigor. Também enquanto leitor, eu gostaria de que houvesse em algumas das publicações feitas sobre a visita uma diferença mais marcada entre o padrão de registro das redes sociais e o das mídias jornalísticas, pois é essa diferença que justifica, em última instância, a existência do jornalismo enquanto atividade que, se não é absolutamente isenta — porque a absoluta isenção é tanto ingênua quanto indesejável, uma vez que o bom jornalismo é feito do ponto de vista do interesse público —, deve se esforçar por ser equilibrada, plural, crítica, consciente de sua responsabilidade e comprometida com a ética e a legalidade na cobertura.

Porém, do fato de que não tenha havido até aqui questionamentos mais consistentes a respeito de tais pontos não se pode deduzir que eles não possam ainda vir a ser feitos. Afinal, as questões são relevantes e estão em aberto em uma sociedade regida pela liberdade de expressão do pensamento constitucionalmente assegurada. Nem se pode deduzir, sem com isso avançar o sinal vermelho da ética, que tais questionamentos deixaram de ser feitos por conduta tendenciosa ou interesseira. Vejo na mídia local o que vejo na regional, na nacional e na internacional: um trabalho feito por seres humanos que, em sua grande maioria, se esforçam por informar do melhor modo possível e que podem, portanto, colocar a cabeça no travesseiro à noite sem perder o sono por causa de sua conduta ou de sua omissão. Ninguém é obrigado a julgar de excelente nível tudo o que produzem os profissionais de mídia locais em matéria de cobertura política ou eleitoral. A discordância é legítima e, segundo penso, até digna de ser estimulada, na medida em que o ordenamento jurídico reconhece a possibilidade e o interesse que há em debater questões de relevância pública e na medida, ainda, em que a mídia — tanto quanto eu e você, leitor ou leitora que aqui me leem — também se equivoca ou às vezes não entrega seu melhor trabalho. Mas daí a acusar de conduta antiética e deliberadamente distorcida ou interesseira quem não fez a cobertura que alguns esperavam, vai uma grande diferença. Ainda não vi em Divinópolis, onde moro há 12 anos, um veículo sério de mídia que em algumas ocasiões não tivesse — quase sempre por conta de problemas de produção e logística especialmente prementes no interior — entregado menos do que poderia em termos de cobertura, assim como não vi veículo sério local que se recusasse a registrar diferentes versões de uma narrativa polêmica sobre a política e a vida pública e que não estivesse aberto ao contraditório e a admitir falhas eventualmente cometidas. A mídia, sem a qual não há democracia, merece respeito.

Márcio Almeida é analista de política do Agora.
E-mail: [email protected]

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