[CRÔNICAS DEMOCRÁTICAS] CPI da Educação: a culpa é da lógica

Em novo artigo, o colunista analisa as primeiras oitivas da CPI que investiga na Câmara de Vereadores as suspeitas de superfaturamento em compras feitas pela Secretaria Municipal de Educação

Márcio Almeida

As primeiras oitivas da CPI que investiga suspeitas de irregularidades, inclusive superfaturamento, em compras feitas no ano passado pela Secretaria Municipal de Educação indicaram que é preciso dar atenção à narrativa construída pela secretária Andreia Dimas em seu depoimento na Câmara de Vereadores. O ponto central para se entender esta narrativa está na análise da vantajosidade das aquisições, isto é, na avaliação do caráter vantajoso das compras para o poder público. Sobre esta avaliação, que a lei considera pré-requisito crucial para as compras feitas por entes governamentais, na medida em que evita valores superfaturados, a fala de Andreia contradiz a si mesma, assim como está na contramão do depoimento dado pelo secretário municipal de Administração, Thiago Nunes, que pouco depois mostrou à CPI o papel que coube à Secretaria de Educação na avaliação do aspecto econômico-financeiro das compras. Resumido, o raciocínio construído por Andreia cabe em três pontos.

- Primeiro ponto: a secretária revelou aos vereadores da CPI ter analisado, junto com sua equipe técnica, catálogos de fornecedores de material e equipamento que continham não só as especificações dos produtos ofertados mas também seus preços. Foi esta equipe, como a secretária registrou em seu depoimento, que elaborou a lista dos itens a serem adquiridos, assim como foi Andreia, enquanto gestora, que endossou a compra.

- Segundo ponto: Andreia informou que a aquisição de equipamento e material seguiu os trâmites da Portaria 196, da Secretaria de Administração. Norma interna da Prefeitura de Divinópolis, editada em agosto de 2021, antes de as compras serem feitas, a Portaria 196 dispõe, entre outras orientações, sobre a necessidade de cada pasta realizar pesquisa de valores dos itens que pretende adquirir pelo sistema de adesão a atas de registro de preços. Escrita em português claro, a Portaria 196 deixa explícita a necessidade de elaboração de orçamentos para cada produto. Tais orçamentos, que Andreia revelou terem sido feitos pelo setor de sua equipe encarregado disso, nada mais são do que uma análise dos valores de mercado praticados para cada produto, feita para assegurar a vantajosidade das aquisições, que é explicitamente mencionada na Portaria 196.

- Terceiro ponto: depois de ter informado à CPI, de viva voz, a) que a escolha dos itens foi feita por sua equipe técnica a partir de catálogos que continham os preços dos produtos, b) que a decisão e a autorização para as compras partiram de sua secretaria, com endosso dela própria, e c) que esta secretaria orientou-se por uma portaria que exige análise de preços de mercado por meio de orçamentos elaborados pela equipe da pasta, Andreia saiu-se com a afirmação de que, sendo uma gestora “técnica”, não lhe compete, como não compete à sua equipe “técnica”, responsabilidade alguma pela análise da vantajosidade das compras. Na prática, além de chicotear o bom senso, tal afirmação recria os fundamentos do conceito de gestão hoje vigente no ordenamento jurídico e na administração pública brasileira, em que o gestor responde pelo modo como é realizada a despesa na pasta da qual é titular.

Rebatida no mesmo dia pelo secretário de Administração, Thiago Nunes, que falou à CPI em um pronunciamento firme e claro, a narrativa de Andreia, ao poupar sua própria pasta, lançou ao fogo das suspeitas órgãos da Prefeitura como a Procuradoria, a Controladoria, a Secretaria de Governo e a de Administração, os quais ela mencionou em seu depoimento como tendo tomado parte do processo de compra, deixando no ar a sugestão de que lhes cabia analisar a vantajosidade que ela mesma admitiu ter sido analisada nos orçamentos feitos por sua pasta. Sob os aplausos que recebia de um grupo de admiradores postados na plateia, cujas manifestações dificultaram algumas falas do vereador Ademir Silva, que a interrogava, Andreia mandou um recado claro: se a CPI quer saber quem deixou passar itens possivelmente superfaturados em compras feitas por sua pasta, que vá procurar os titulares dos demais órgãos, pois ela e sua equipe — que, repita-se, leram catálogos com preços de produtos, escolheram os itens a serem comprados e realizaram orçamentos para efeito de comprovação da vantajosidade exigida pela Portaria 196 — nada têm a explicar. A secretária, como se definiu, é uma “técnica” que entende de educação e não se envolve com aspectos econômico-financeiros das compras que autoriza.

É impressionante a profundidade dessa autocontradição, em que a secretária parece conceder a si mesma o poder de escolher, entre as atribuições de seu cargo e de sua pasta, explicitadas em uma portaria sobre compras, aquelas que deseja efetivamente assumir. Em qualquer lugar do mundo onde impera a lógica, essa narrativa autocontraditória seria motivo suficiente para que a secretária fosse afastada até que se avaliem o seu real papel e o de sua equipe nessa história em que a Prefeitura, entre outras aquisições, comprou por cerca de R$10 mil um equipamento pedagógico feito com um pedaço de plástico e outro de metal que até o prefeito Gleidson Azevedo considerou incompatíveis com o preço cobrado ao município. Em Divinópolis, porém, deu-se o contrário. Depois de eximir a si mesma de qualquer responsabilidade pela análise da vantajosidade das compras feitas pela pasta da qual é gestora, pasta esta que ela diz ter coletado preços no mercado em orçamentos para determinação desta mesma vantajosidade, depois, ainda, de colocar toda a responsabilidade por eventuais superfaturamentos na conta de vários órgãos municipais e depois de ser contraditada por um secretário do município que falou com técnica e clareza, Andreia, que havia sido afastada pelo prefeito enquanto as investigações estão sendo feitas, ganhou dele o direito de retornar de imediato à condução da Secretaria de Educação. A conclusão impõe-se de modo evidente: Andreia está certa ao contradizer a si mesma e lançar dúvidas sobre a eficiência de outros servidores. Errada, afinal de contas, está a lógica.  

 

Márcio Almeida é jornalista e analista político em Divinópolis. E-mail: [email protected]

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