‘Carteiradas’ de vereadores e integrantes da Prefeitura são comuns no Serviço Municipal do Luto, afirma fonte

Executivo rebate interferências, sobrecarga de trabalho e má gestão, mas informante reafirma versão e teme colapso

Gisele Souto 

A Prefeitura de Divinópolis respondeu na tarde desta sexta-feira, 10, à demanda do Agora sobre as reclamações feitas por uma fonte em relação à sobrecarga de trabalho e a má gestão no Serviço Municipal do Luto (SML). Por meio da assessoria de Comunicação, o Município rebateu as acusações sob o argumento de que o número de mortes na cidade vem caindo gradativamente nos últimos meses.  No entanto, no mesmo dia, a fonte voltou  a relatar outras situações, dessa vez muitos mais graves. Além disso, ratificou tudo que havia revelado em reportagem anterior.

A explicação da Prefeitura contém a quantidade detalhada de óbitos ocorridos de janeiro a setembro, tendo como causa diversos fatores, entre eles, a covid-19.

Conforme a relação, janeiro registrou 126 mortes, fevereiro, 103; março, 136; abril, 189; maio, 156; junho, 169; julho, 141; agosto, 112; e, setembro, até a última  sexta, 40 ‒ totalizando, nestes oito meses e dez dias, 1.172 óbitos. Entre os meses, abril foi o que registrou o maior número de mortes, 189, média de 6,3 por dia. O menor foi contabilizado em fevereiro, 103, média de 3,4 diariamente. Como nos outros meses as quantidades são variadas, analisando todas as somas, a média de corpos por dia gira em torno de cinco. Dependendo da quantidade de agentes funerários trabalhando, pode-se considerar que a demanda é alta, como diz a fonte ‒ principalmente por buscarem nos hospitais, na UPA, nas residências, prestarem serviço no Instituto Médico Legal (IML) para a Polícia Civil – nos casos de assassinato, por exemplo – e ainda levam os corpos para o velório e fazem o translado para o cemitério. 

— O serviço é complexo e desgastante — afirma a fonte.

Déficit 

A fonte revelou ainda ao Agora que, atualmente, o Serviço Municipal conta apenas com dez agentes funerários ‒ e, desses, três estão de licença médica. Ou seja, há apenas sete para realizar todo o serviço. Além disso, quatro são contratados. Conforme a fonte, trabalham três agentes por dia: um no atendimento na mesa atendendo ao telefone e quem vai pessoalmente e os outros no atendimento.

— O espaço de tempo é muito curto entre um atendimento e outro. Sem contar que, depois da ordem da Prefeitura de ter que levar o corpo para emitir a declaração de óbito na UPA, ficou ainda pior. Lá, eles têm que ficar esperando. Tem que ser no mínimo dois agentes. Como um só faz uma remoção de  IML, por exemplo? Imagine o tanto que isso é complicado — argumenta. 

Sufoco 

No domingo, 5, por exemplo, foram 11 mortes, de acordo com a fonte, dia em que os agentes não tiveram tempo nem de almoçar, conforme o Agora revelou na matéria da troca de corpos, publicada no início da noite de quinta-feira, 9.   

— Pensa se dois agentes dão conta de uma demanda desse tamanho? — questiona.

Interferência 

A fonte reafirma a má gestão e desorganização no setor. Revela que os profissionais tentam fazer o impossível, mas há interferência da Prefeitura e até mesmo de vereadores. 

— Estes chegam e dão carteiradas autorizando, por exemplo, a preparação de corpos fora do horário que os agentes têm disponibilidade, até mesmo vítimas de covid; autorização para estender o horário de velório, desrespeitando completamente o decreto e a agenda a serem seguidos. 

Neste ponto, conforme a fonte, o gerente, que não é técnico, cede à politicagem. 

Ainda conforme a fonte, havia regulamentação no Serviço de Luto, mas a atual gestão não segue os trâmites e faz as coisas de acordo com o eles acham que está correto. 

— Acredito que, se o setor não for reorganizado com urgência, em breve entrará em colapso e erros mais graves estão sujeitos a ocorrer — alerta. 

Terceirização 

A gestão Gleidson Azevedo (PSC) ventila desde o início do mandato a possibilidade de terceirização do serviço. O temor maior nesse sentido, segundo a fonte, é que a culpa da mudança seja atribuída aos agentes, porém, na sua opinião, seria uma covardia, visto que eles “dão o sangue” no serviço. Afirma que o problema é somente de gestão.

Entenda o caso

O Agora trouxe com exclusividade na quinta, 9, uma reportagem sobre a troca de corpos ocorrida no SML. Familiares de uma idosa de 84 anos, que morreu por complicações da covid-19, aguardavam o corpo no salão para o velório que ocorreria entre 7 e 10h, também de quinta. No entanto, ao abrirem o caixão, havia o corpo de um idoso, para a surpresa e desespero de todos. Imediatamente, comunicaram o erro ao Serviço de Luto, que providenciou a troca. Devido ao engano, o velório se estendeu até as 11h.

A idosa ficou internada por cerca de 15 dias, parte deles entubada, no Hospital Santa Lúcia, conforme familiares.

O Agora conversou com a direção administrativa do hospital, que explicou os trâmites na unidade de saúde.

— A senhora morreu no início da tarde de quarta-feira e, logo depois, a família foi avisada. Após todos os protocolos, houve o reconhecimento do corpo. Por volta das 18h30, o Serviço Municipal do Luto buscou o corpo com a devida identificação — explicou.

O Agora conversou também com exclusividade com pessoas que estiveram no velório e alguns familiares. Abalados, preferiram não detalhar o assunto, devido ao momento de luto. Mas a reportagem teve a informação de que providências serão tomadas por eles.

Serviço do Luto

Também na quinta, a reportagem conversou com a fonte do Serviço Municipal do Luto, a mesma das informações acima.  Ela confirmou o erro e o atribuiu ao excesso de trabalho dos agentes. Afirmou que a sobrecarga é constante e não houve nenhuma melhora desde as primeiras reclamações, há cerca de quatro meses, quando o Agora trouxe à tona as dificuldades enfrentadas pelos agentes.

— Na verdade atribuo à falta de atenção, mas, sobretudo, à sobrecarga de trabalho e, principalmente, à má gestão que vem sendo conduzida sem nenhum tipo de procedimento padrão e muito menos treinamento que minimize esse tipo de erro — revelou a fonte. 

Gestão 

Sobre a denúncia de que há má administração no SML, a Prefeitura afirma não ter recebido nenhuma denúncia formal  por parte dos servidores que atuam no local.  Já sobre a interferência de integrantes do Executivo na atuação da gerência e dos agentes, o secretário da Secretaria Municipal de Operações e Serviços Urbano (Semsur), Gustavo Mendes, por meio da assessoria de comunicação, informou que a denúncia não procede. Explicou também que todas as ações são consultadas junto à Vigilância Sanitária, sendo executadas somente com autorização do setor. 

Já na Câmara, o presidente da Casa, Eduardo Print Jr. (PSDB), disse à reportagem, que até o momento, não chegou nenhuma reclamação nesse sentido à Presidência. 

Acrescentou que, até onde tem conhecimento, o problema no SML é estrutural e de mão de obra.

Retratação 

Ainda no início da noite de quinta-feira, a Prefeitura de Divinópolis emitiu nota se retratando e solidarizando com a família da idosa.

—  Prefeitura vem a público se retratar e esclarecer o fato ocorrido na manhã de hoje, quinta, 9, quando o Serviço Municipal de Luto entregou corpo de terceiro aos familiares para velório, cujo equívoco foi percebido imediatamente e, assim, os agentes funerários procederam à correção, com entrega do corpo correto. Muito respeitosamente, prestamos as nossas condolências e deixamos os mais sinceros pêsames a todos os familiares e amigos por essa irreparável perda e roga para que Deus possa confortá-los nesse momento de grande dor — disse a nota. 

 



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