Voz gaúcha

Jânio Quadros participava das comemorações do Dia do Soldado, em Brasília, na manhã de 25 de agosto de 1961. À tarde, entretanto, a tranquilidade foi quebrada; a notícia da renúncia, em caráter irrevogável, do primeiro mandatário, logo se espalhou. Na agenda presidencial, constava sua presença em Porto Alegre, naquela data. De imediato, dois segmentos institucionais se posicionaram; os três ministros militares, vedaram, terminantemente, a posse do vice-presidente João Goulart, legitimamente eleito, e do governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que através das rádios Farroupilhas e Guaíba, dos porões do Palácio Piratini, denunciou a manobra, segundo ele, vinda da “politicagem e dos sentimentos inferiores e golpistas de alguns círculos da República”.

         Foi incisivo, nesse inaugural pronunciamento, na madrugada do dia seguinte: “não assistiremos, passivamente, a qualquer atentado às liberdades públicas e à ordem constitucional”! E concluiu: “Defenderemos a ordem legal, a Constituição, a honra e dignidade do povo brasileiro”. Suas palavras tinham endereço certo, não só ao verde-oliva como aos setores da direita nacional, ávidos por assumirem o poder da República. Contrapondo-se às ameaças à democracia, se formou gigantesca rede de emissoras, comandadas por aquelas duas rádios, inclusive atingindo países vizinhos. Cerca de 200, ao todo, muito mais eficiente que as redes sociais, hoje.

         Capitais, de grandes a pequenas cidades, não cessavam de se manifestar em favor do cumprimento constitucional. Cada vez mais o discurso de Brizola se inflamava.  Este, pronunciado quando da intenção dos militares bombardearem a sede do governo daquele estado. Sem dúvida, mais patético e preciso que a “Oração aos Moços”, de Rui Barbosa. De metralhadora em punho, ante milhares de pessoas, convenientemente armadas, postadas na Praça da Matriz, de Porto Alegre, dispostas a reagir, se convocadas, falou: “quero vos dizer que talvez eu não tenha oportunidade de falar-vos mais; se ocorrer a eventualidade do ultimato ocorrerão, também, consequências muito sérias. Não pretendemos nos submeter. Que nos esmaguem, nos destruam, nos chacinem neste Palácio! Chacinado estará o Brasil, com a imposição de uma ditadura contra a vontade de seu povo”. Dispunha o líder da legalidade de suficiente autoridade para assim exclamar, referindo-se ao então ministro da Guerra, Odylio Denys: “vejam que loucura, esse homem está doente, está sofrendo de arteriosclerose”. A voz gaúcha empolgou a nação brasileira, unindo seus valores cívicos e morais, detendo mais força que a mediocridade linguística de hoje, que preside nossos destinos.

         [email protected]

 

Comentários